Programa de recrutamento da Oracle seleciona às cegas e dispensa currículo

Uma das poucas lembranças que Alex de Oliveira, de 25 anos, tem de sua infância é de uma conversa com a mãe na qual disse que um dia teria dinheiro suficiente para levá-la ao exterior e pagar-lhe um sorvete. A mãe chorou e o abraçou.

Morador do Parque Edu Chaves, na Zona Norte de São Paulo, Alex começou a trabalhar aos 11 anos como vendedor ambulante para ajudar nas despesas de casa. Quando terminou o ensino médio conseguiu uma oportunidade de trabalho como monitor no laboratório de informática da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing). Como funcionário, conseguiu uma bolsa para o curso de Design, mas não se identificou. A formação não foi concluída, mas o ajudou a encontrar uma área de interesse, as ciências sociais.

Empenhado em fazer sua graduação no curso de Ciências Sociais e do Consumo, descobriu que os primeiros colocados no vestibular da ESPM ganhavam bolsas de estudo. Estudou muito e conseguiu. Ficou em terceiro lugar no ranking geral da faculdade, mas em primeiro entre os alunos de escola pública.

Alex de Oliveira, surpresa ao saber que o processo era feito às cegas

Alex foi um dos selecionados na primeira turma do Generation Oracle, o GenO, um processo seletivo da gigante de tecnologia que deixa de lado o currículo e avalia a atitude dos candidatos. “O lema do nosso programa é ‘contratamos pessoas e formamos profissionais’”, diz Daniele Botaro, head de diversidade da Oracle.

A ideia de criar o programa surgiu em 2018. A empresa que abastecia as vending machines do prédio da Oracle, em São Paulo, quebrou e a companhia precisou buscar outro fornecedor. O processo de mudança levaria dois meses para ser concluído. Neste intervalo alguns funcionários, que não gostavam da água filtrada, reclamaram da falta de água mineral. Para tentar minimizar o problema, o presidente da empresa, Rodrigo Galvão, solicitou a compra de mil garrafas d’água e a distribuição delas por todos os andares do prédio. Depois de todo esforço, foi surpreendido com um e-mail reclamando da falta de água com gás.

A mensagem fez Galvão se perguntar: que pessoas estamos trazendo para trabalhar na empresa? Elas querem mesmo estar aqui? Elas querem fazer parte disso? Como elas estão vendo as oportunidades que estão recebendo?

Disposto a mudar esse comportamento, chamou cinco ex-estagiários que haviam sido efetivados e pediu ajuda para criar um processo de recrutamento que trouxesse pessoas com outra atitude para a empresa. Os cinco não foram escolhidos por acaso. Eles se destacavam na companhia pela proatividade e por participarem intensamente das ações dentro e fora do escritório. Foram eles que criaram o GenO e suas regras de seleção.

Para garantir que a avaliação seja baseada exclusivamente na competência dos candidatos, todo processo é feito às cegas. O candidato responde a um questionário e depois grava um vídeo respondendo algumas perguntas. A imagem do vídeo é borrada e a voz é modificada para que não sejam identificados o gênero, a raça ou a idade do candidato. O programa é aberto a qualquer interessado. O único requisito – exigido pela legislação brasileira – é estar matriculado em um curso superior ou técnico.

O que a Oracle busca nos candidatos é atitude, paixão e o desejo de mudar o mundo através da tecnologia. Em resumo, a maior identificação possível com os seis valores da empresa:

1. Espírito de startup
2. Encarar a verdade
3. Obsessão pelo cliente
4. Comportamento de dono
5. Paixão pela Oracle
6. Impacto em comunidades

No primeiro processo seletivo, no ano passado, foram recebidas cerca de 7000 inscrições. Destas, 1000 pessoas enviaram o vídeo. Em outra etapa, os candidatos precisaram mostrar capacidade de usar a tecnologia para analisar dados. Não é necessário ter nenhum conhecimento prévio. O uso da ferramenta é intuitivo. No ano passado, por exemplo, os estudantes tiveram acesso a dados sobre a saúde do Rio de Janeiro e receberam o desafio de buscar insights de políticas públicas para solução de problemas. Somente na última rodada de entrevistas a identidade dos candidatos foi revelada.

O envolvimento dos funcionários da Oracle no GenO é grande. Os 15 profissionais aprovados escolhem em qual área gostariam de começar. Os gestores fazem um pitch apresentando o projeto no qual eles poderiam trabalhar para atrair os recém-chegados para o seu time. Ao final de cada trimestre, todos mudam de setor e recebem novos desafios. Em cada área, o GenO é acompanhado de perto por um funcionário que se voluntaria para ser o Guardião e outro para ser o Pioneiro. O primeiro fica mais diretamente com o GenO, fazendo a ponte entre as equipes ou oferecendo mentoria. O Pioneiro cuida do programa em si, determinando o papel do estudante dentro do setor.

Lia Zavatini: desejo de mudar o mundo através da tecnologia

Antes mesmo de concluído o período de 12 meses do programa de 2019, todos os selecionados foram efetivados. Uma delas é Lia Zavatini. Aos 36 anos, formada em Administração de Empresas e com MBA em Gestão de Pessoas, ela já tinha uma carreira de dez anos no mercado financeiro quando decidiu mudar radicalmente e iniciar uma nova graduação na área de Tecnologia da Informação. “Assistindo de perto ao processo de automatização dos bancos, percebi que a única forma de mudar o mundo seria através da tecnologia”, diz a profissional.

Durante o programa, ela passou pelas áreas de pré-vendas, vendas e RH, onde foi efetivada. Hoje cuida da área de treinamento e desenvolvimento. Antes de chegar à Oracle, Lia se inscreveu em quase 30 programas de estágio, mas todos pediam experiência na área.

O mesmo aconteceu com Alex, que chegou a ser selecionado para as últimas fases de programas de estágio de outras grandes empresas. O feedback que recebeu em todos foi na linha: “Gostamos muito de você, mas optamos por outra pessoa”. “Eram processos que tinham uma promessa de diversidade, mas quando eu chegava na etapa final, os outros candidatos tinham um perfil muito homogêneo”, lembra o estudante.

O que chamou atenção de Alex no programa da Oracle foi a valorização dos profissionais pelas suas competências. Não pedia inglês fluente ou experiência anterior. Mesmo descrente, decidiu se candidatar. Sua impressão mudou quando foi para a última etapa, que era presencial. Até ali ele não sabia que o processo era feito às cegas. “Quando notei que só na última entrevista estavam vendo meu currículo, me surpreendi”.

Alex foi efetivado na Oracle, no setor de CSM (Customer Success Management), que cuida de pós-vendas. Levando em conta sua trajetória até aqui, é só uma questão de tempo até que a promessa feita à sua mãe seja cumprida. Resta saber qual sabor de sorvete ela irá escolher.

Por Silvia Balieiro

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