temporada 1 • episódio #11
Como construir uma marca sólida
15.jan.2020
Em uma rara entrevista, Eduardo Ourivio, cofundador do Grupo Trigo (dono de Spoleto, Koni, Gurumê e LeBonton) fala sobre como os fracassos levaram sua marca à liderança de mercado e clarearam seu propósito: democratizar a gastronomia no Brasil
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Eduardo Ourivio é cofundador do Grupo Trigo, dono das marcas Spoleto, Gurumê, Lebonton e Koni. Ele se formou em hotelaria na Suíça e, quando voltou ao Brasil, trabalhou no hotel Intercontinental. Com um grupo de amigos, abriu seu primeiro restaurante, fazendo muito sucesso ainda jovem. Faliu algumas vezes antes de se estabelecer com a marca Spoleto, que começou junto com seu sócio até hoje, Mario Chady. Nesta entrevista, ele fala sobre o motivo de começar a empreender seus negócios, os aprendizados de não pensar apenas em dinheiro e a importância do propósito.
ATITUDE EMPREENDEDORA. Como, quando e por que você começou a empreender?
EDUARDO OURIVIO. Tive a oportunidade de me formar em hotelaria na Suíça. Quando voltei ao Brasil em 1990, fui trabalhar no hotel Intercontinental. Com o Mario, meu melhor amigo e cofundador do Grupo Trigo, e outros amigos, abri o primeiro restaurante. Chegamos a abrir sete restaurantes depois. Porém quando você faz sucesso muito jovem, principalmente se você for homem, fica um imbecil completo, se acha o Super-Homem, imbatível. No nosso caso, quebramos. Nosso foco era ganhar dinheiro. Cada um fazia o que queria com o dinheiro, o que foi muito imbecil também. Na época, achávamos que estávamos defendendo as amizades, mas, na verdade, destruímos a empresa. Em 1997, eu e o Mario abrimos um restaurante chamado Estação. Nós imaginávamos que Ipanema era um shopping aberto e criamos uma praça de alimentação, com várias operações. Era legal, porque você sentia que ia a vários restaurantes, mas era o mesmo, com marcas diferentes, experiências diferentes. Uma delas era um quiosque no segundo andar, o pior ponto, chamado Spoleto.
Atitude. Quando começou o Spoleto, virou a chave do dinheiro, certo?
EO. Nós vimos que essa coisa do dinheiro não era boa. Ninguém quer ficar rico para você. Muita gente ganhou dinheiro focando só nisso, mas a maioria não ganha. Entendemos que nosso foco, lá no Spoleto, eram os funcionários e os clientes. O dinheiro seria consequência. Há muitos anos, meu pai me ensinou que o empresário é quem tem um sonho e corre atrás. O Spoleto me ensinou que o empresário é quem tem um sonho e faz com que as pessoas acreditem nesse sonho, que passa a ser o sonho delas também.
Atitude. E qual é o sonho?
EO. Hoje o sonho é nosso propósito, ou seja, democratizar a culinária. Antigamente era democratizar a boa culinária. Mas hoje nós realmente fazemos uma culinária incrível. Por isso temos a coragem de falar, “democratizar a culinária”. O propósito está na moda agora. Há 15 anos, o Spoleto estava começando e tínhamos alguns concorrentes na praça de alimentação, uns mais caros, outros mais baratos. Era uma galera que eu respeitava muito, mas queria achar formas de lidar com os concorrentes. Fui falar com o vice-presidente da Avon, que estava tomando seu lugar diante da Natura e da Boticário. Entendi que ele seria um ótimo exemplo para seguir. A conversa foi ótima, mas eu aprendi mesmo na hora de ir embora. Mario e eu estávamos na lanchonete da Avon onde tinha uma placa do fundador: “Fundador da Avon, em 1899, queria democratizar a beleza”. Tínhamos acabado de fazer nossa convenção e definido nossos valores. Achávamos nossa empresa muito moderna por ter nossos valores. Na época não era nem propósito, era visão ou missão. Quando olhei a placa, percebi que há anos a Avon pensava daquela forma. Ou seja, para construir uma coisa muito grande é preciso ter algo compartilhado por pessoas, não uma liderança mandando. Quando abrimos o Spoleto, nosso foco era o cliente, o funcionário e uma comida boa. Tinha a coisa de o cliente interagir com o chefe de cozinha e escolher o molho. Tinha a experiência diferenciada na praça de alimentação, com nossos pratos de porcelana e os talheres de inox. E, na época, usavam pratos de plástico, talheres de plástico e uma comida quase de plástico.
Atitude. Isso no início dos anos 2000?
EO. É 1999, 2000, por aí. E para ver qual seria nosso propósito, percebemos que a praça de alimentação havia incorporado pratos de porcelana, talheres de inox, todas as marcas com comida muito boa. Sem saber, ajudamos a mudar a vida de milhões de brasileiros, que comiam em praças de alimentação e passaram a receber refeições melhores, mais saudáveis e com uma experiência mais digna. O propósito entra pelo coração, não pela cabeça nem pelo bolso. Ele entra devagar, é uma sementinha que vai crescendo, pelo menos no nosso caso, até você tomar coragem e, de repente, ficar louco, como nós, de acreditar que, de fato, pode mudar o mundo. No nosso caso, o propósito passou ser nosso maior concorrente.
Atitude. Como assim?
EO. O Spoleto nunca teve um concorrente direto. Em certo momento, isso fez com que nos perdêssemos e parássemos de olhar para o cliente, o funcionário e o franqueado, nos distanciamos dos restaurantes. Foi muito ruim. O ápice foi em 2013, quando deu tudo errado: o maior investimento feito na fábrica deu errado; o maior investimento em tecnologia, em sistema, deu errado; acabou o molho nos restaurantes; quebrou a distribuidora; perdemos muito dinheiro e não tinha mais produto para o cliente. Foi um horror, e por quê? Porque ficamos distantes dos restaurantes, dos nossos valores. Não tínhamos propósito claro, apenas visão e missão, e aí falamos: “Precisamos resgatar o que, desde o início, era empírico. Vamos transformar isso em realidade e viver no dia a dia”. Você quer pensar no médio e no longo prazo, construir uma marca, transformar e se obrigar a melhorar. Por isso o propósito foi nosso maior concorrente. Aprendemos que a tecnologia é o maior aliado para nosso propósito, porque quanto mais tecnologia trouxermos, mais rápidos e eficientes poderemos ser, logo, mais baratos poderemos ser. Antigamente, tínhamos uma cozinha central, agora, o lance é ser um centro de culinária, é fazer uma fábrica, mas com culinária. Por exemplo, a cebola do molho do Spoleto é processada no dia e no dia anterior, ela é fresca, assim como o alho, o alho-poró, todos os legumes e as ervas. Por quê? Para manter o frescor do produto. E como você escala isso com a certeza de que vai funcionar?
Atitude. Como?
EO. Eu ouvi a palestra do fundador do Costco, um varejista americano fenômeno, e ele falou assim: “Na minha empresa, não treinamos ninguém”. Ficou aquele silêncio na sala. E ele falou: “Quem treina é cachorro”. E eu: “Passei a vida inteira achando que treinar era a coisa mais importante do mundo”. Ele deixou todo mundo se acalmar e falou: “Na minha empresa, a gente só ensina”. Aquilo mudou tudo. Eu pensei: “Tem que parar de treinar”. Quando você ensina, as pessoas vão muito além do que você estava imaginando. Ou seja, elas aprendem e constroem com você. Não é uma coisa com início, meio e fim. Essa é a grande transformação. Não é uma universidade, uma escola, um treinamento; é um desenvolvimento para o resto da vida. A coisa mais bacana que temos, e por isso dá esse tesão todo, é nossa cultura. Uma das partes mais importantes dessa cultura foi ter feito a sucessão para pessoas incríveis. O Tom, atual presidente do Trigo, é incrível, ele chegou para mim na semana passada e falou: “Eduardo, sabe por que estou aqui? Por amor.” E eu tenho certeza, porque o Tom tem espaço em qualquer empresa de qualquer tamanho. O Tom é muito casca-grossa, é muito bom. Ele está aqui por amor mesmo. Assim como nossos sócios-diretores e futuros sócios: todo mundo está aqui por achar maneiro estar aqui e construir. A coisa do propósito é maneira, porque você começa a atrair pessoas realmente incríveis.
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