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temporada 1 • episódio #10

O corretor que resolveu contar histórias

8.jan.2020

Matteo Gavazzi nasceu em Roma, mas escolheu São Paulo como sua casa. Apaixonado por arquitetura, encontrou na metrópole um lugar cheio de estilos e histórias. Sua imobiliária, Refúgios Urbanos, e seus projetos culturais ajudam a divulgar esse conhecimento.

 

Ouça o episódio aqui

    

Matteo Gavazzi nasceu na Itália, mas chegou ao Brasil 30 dias depois. Passou parte da vida entre os dois países e, aos 21 anos, fincou raízes definitivas em São Paulo. Ele é fundador da Refúgios Urbanos, uma imobiliária que se define como “Feita por amantes de arquitetura”. Essa paixão pelas construções levou Matteo a ser um agitador cultural, realizando projetos que vão de palestras, exposições e passeios guiados pelo centro da cidade a lançamentos de livros, como Prédios de São Paulo, Casas de São Paulo e Prédios de São Paulo para Crianças. Nesta entrevista, ele fala sobre sua visão fora do padrão de vendas de imóveis, como formar corretores e de que maneira o conhecimento histórico sobre São Paulo agrega para seu trabalho.

ATITUDE EMPREENDEDORA. Você tem uma visão bem particular sobre venda de imóveis e formação da equipe de corretores. Como definiria ambas?
MATTEO GAVAZZI. Acredito que, como acontece com muitos empreendedores, a Refúgios Urbanos nasceu de algumas outras derrotas. De errar, a gente acerta. Isso é uma coisa que vários empreendedores têm como mínimo comum denominador. Nesse caso específico, eu tinha vindo para o Brasil, tido outras experiências, inclusive em outras imobiliárias, e em certo ponto fui mandado embora de uma das imobiliárias onde trabalhava.

Atitude. Você trabalhava como corretor?
MG. Isso. E decidi que, eventualmente, continuaria, porque gostava muito do que fazia. Mas, naquele momento, parecia mais interessante criar uma empresa que englobasse não apenas meus interesses, mas também um método de trabalho e de dia a dia que eu considerasse bacana. É aquela história: se não existe a empresa em que eu gostaria de trabalhar, vou criar. Foi mais ou menos por aí naquele momento.

Atitude. Quantos anos você tinha?
MG. Foi em de 2012, eu tinha 25 anos. Esse foi o início da Refúgios Urbanos. Eu trabalhava em Higienópolis, uma região com bastante história e um dos primeiros bairros planejados de São Paulo. Até o nome, que significa “cidade da higiene”, naquela época era um nome quase marqueteiro, porque lá estavam as primeiras casas com tratamento de esgoto. Gosto muito de correr atrás de informações e descobrir por que um prédio é de uma maneira ou de outra, ou por que ainda existem alguns casarões. Acreditei que isso pudesse interessar aos clientes também, não achava que houvesse um desinteresse pelo assunto, mas sim a dificuldade de procurar por essas histórias. Temos essa lógica de que tudo vai estar no Google. Mas não necessariamente tudo vai estar no Google. Se estiver é porque alguém foi lá e colocou. Vi nas minhas pesquisas como era difícil achar esse tipo de informação, às vezes, até básica, como o nome do arquiteto de um prédio. Na maioria das vezes, elas são encontradas em trabalhos de mestrado de alguma faculdade. Eu queria agregar isso ao meu dia a dia, por paixão e interesse próprios. Esse foi um dos primeiros preceitos da Refúgios: catalogar prédios e casas de São Paulo que considerássemos interessantes. Disso nasceram os projetos Prédios de São Paulo e São Paulo e Suas Casas, que depois viraram livros. Mas no início não tinha nenhum intento nesse sentido. Era mais vontade e paixão para correr atrás dessas informações. Aquilo era um bônus. Precisamos trabalhar também por prazer, não somente para cumprir as funções do trabalho. E mesmo que fosse só um bônus, para o cliente também é interessante saber onde mora, como aquele prédio chegou até ali e conhecer sobre o desenvolvimento da cidade, pois, no final, quando treinamos os corretores, percebemos que faz parte também do entendimento da cidade.

Atitude. Você conhece bastante da história de São Paulo, especialmente da perspectiva de arquitetura. Isso é relevante para o ofício de corretor? Quanto agrega na hora de vender?
MG. Agrega bastante desde a primeira conversa com o proprietário, porque qualquer corretor que chega para visitar um determinado prédio e conhece a história da rua, do lote, do arquiteto, já vai ter uma conversa agradável com o proprietário. E agrega para quem está comprando, pois leva ao entendimento do bairro como um todo. Na Refúgios Urbanos, trabalhamos em bairros específicos. Cada corretor é quase um especialista naquele bairro, e essa foi uma escolha feita no início da empresa, porque acreditávamos que seria difícil trabalhar em bairros muito distintos entre si. Entendíamos que o diferencial seria saber por que uma rua é distinta da outra, por que prédios próximos têm valores diversos. Dificilmente você vai agregar tanto conhecimento trabalhando em uma cidade metropolitana como São Paulo. Ou seja, não adianta querer conhecer todos os bairros da capital, porque São Paulo é uma nação.

Atitude. Você se dedica à formação dos profissionais, valorizando o ofício do corretor. Como isso gera impacto no trabalho deles no dia a dia?
MG. Qualquer profissão pode ser executada dentro da melhor das possibilidades. No nosso caso, tentamos ensinar tudo o que aprendemos nesses anos. Não é uma liderança escondendo o jogo, é uma liderança abrindo o jogo, e fazendo com que as pessoas fiquem e gostem de trabalhar com a gente por entenderem que é o melhor lugar para elas.

Atitude. Na prática, o que significa “abrir o jogo”?
MG. É assim: eu sou corretor também, então, já passei por muitas coisas. Tudo aquilo que aprendi nesses anos, eu ensino, de A a Z. Não tem aquela preocupação de “se eu ensinar tudo, o profissional vai embora montar a imobiliária dele”. Essa preocupação nunca passou pela minha cabeça. Quando uma nova pessoa entra, seus primeiros 30 dias são de absorção. Ela pode até começar a fazer algumas coisas, porém, o mais importante naquele momento é acompanhar outras pessoas da equipe. Nossa equipe é muito aberta e colaborativa. Ninguém acha ruim ter um novato acompanhando. Todos entendem, pois já passaram por isso e sabem o quanto uma pessoa nova precisa aprender para poder se integrar. Todo mundo percorreu esse caminho e acaba sendo uma das metódicas que adotamos.

Atitude. Qual é o seu prédio preferido em São Paulo?
MG. Essa é uma pergunta ingrata, porque tem muita coisa. Eu diria que tenho vários prédios preferidos, e o Louveira em Higienópolis é um deles. É um prédio totalmente aberto para a praça, sem grades, com um jardim maravilhoso, arquitetura do Vilanova Artigas, um dos gênios da nossa arquitetura. Acho que o Martinelli tem a ver um pouco com minha história, a trajetória do imigrante italiano que vem procurar a sorte em outro país, mas que também passou por vários reveses, perdeu, reganhou, refez a vida no Rio e depois ficou em São Paulo. São esses dois que me vêm à cabeça de primeira. Mas São Paulo é uma cidade incrível, às vezes, um pouco negligenciada no ponto da arquitetura, mas quando você olha de perto, com uma lupa, é uma cidade com uma diversidade arquitetônica como poucas no mundo. Normalmente, um gênero prevalece, mas São Paulo tem um mix muito interessante, desde o ecletismo, passando pelo modernismo, que foi muito forte no Brasil, até o estilo moderno de hoje em dia.

Atitude. Que atitude empreendedora você sugere que as pessoas que nos leem tenham para cuidar da cidade, da rua, do bairro onde moram? Como fazemos para, sem depender do governo, da prefeitura, ou de quem quer que seja, deixar nosso dia a dia mais bonito, mais seguro, melhor para viver?
MG. Não sei se é uma atitude empreendedora, mas uma atitude cidadã sempre começa de dentro para fora. Tivemos alguns casos que acabaram passando pelas nossas mãos, como o da Renata Ferretti, uma arquiteta restauradora que foi morar num prédio em Higienópolis. Ela descobriu um painel da Sophia Tassinari e se propôs a restaurá-lo praticamente de graça. Depois, entramos num acordo, ajudamos a patrocinar. Mas essa, por exemplo, é uma atitude cidadã, de alcance restrito, porque é um prédio, não tem acesso ao público, mas as pessoas que moram ali, hoje, têm o privilégio de ter um painel da Sophia Tassinari, que foi discípula da Anita Malfatti. Existem as associações que estão começando a cuidar de praças. Com um pequeno aporte mensal enviado à associação, você ajuda a contratar um jardineiro ou serviço de limpeza, sem depender da prefeitura, como falou. Nós usamos a cidade, então precisamos ajudar e contribuir para a cidade em que queremos viver.

Atitude. O que te move?
MG. Parto de uma premissa formada a partir de uma crença pessoal: se vivemos numa comunidade e essa comunidade nos dá algo, é legal conseguir dar algo em retorno também. Os projetos viraram um empenho não comercial, pois sua função é devolver para a comunidade algumas coisas que, na nossa opinião, são bacanas. Dentro das nossas possibilidades, que são relativamente pequenas, conseguimos montar esses projetos com outros apaixonados. Acho que esse é o diferencial. Além disso, acredito que o empreendedor é uma pessoa que, sim, planeja, mas também sai fazendo. Se você só planejar não vai encontrar as realidades e as dificuldades do dia a dia. É sempre bom ter um equilíbrio. Se você não tem uma grande paixão, acaba ficando desinteressante com o tempo. É muito difícil sustentar algo que demanda tanto, sem ter um propulsor. Para mim, os projetos fazem parte desse propulsor, eu não me divertiria nem gostaria tanto de fazer o que faço se não tivesse também esse lado B, que não paga as contas, mas me dá uma satisfação humana enorme.

Atitude. Já ouvimos você dizer: “Melhor o feito do que o perfeito”. Essa também é uma atitude empreendedora, né?
MG. Mas isso não quer dizer fazer porcaria e de qualquer jeito, acredito que seja importante fazer mesmo. Vou dar um exemplo: o livro 1 do Prédios de São Paulo [esta é uma série em três volumes] e o Casas de São Paulo representam um abismo de vontade, de como a gente fez as coisas. Mas é claro que o livro das casas chegou depois de cinco anos. Ou seja, se não tivéssemos feito o primeiro, não teríamos chegado ao livro das casas, que, para mim, é maravilhoso, mais bonito. Mas teve um aprendizado de cinco anos. Hoje, por exemplo, fico muito orgulhoso de saber que o livro Prédios de São Paulo 1 está na biblioteca de Washington e vai ficar lá enquanto a humanidade existir. Se eu tivesse ficado no faz, não faz, ele não faria parte do cenário da arquitetura brasileira em uma das bibliotecas mais importantes do mundo. É interessante compartilhar com quem estiver ouvindo que, no meu processo, fez muita diferença ganhar sócios, com visões diferentes, que me complementam e, às vezes, puxam minha orelha. Porque eu, realmente, sou o cara que acha um projeto legal e sai fazendo. Mas tem também a estabilidade financeira da empresa e outras coisas importantes, para as quais o processo de bate-bola com os sócios tem sido fundamental.

Atitude. Quando você percebeu que precisava de um sócio, esse sócio apareceu no seu caminho? Como foi o processo?
MG. Foi um pouco das duas coisas. Esse sócio foi um corretor, o primeiro, o Octavio. Fomos fazer uma visita juntos e, no fim, acabei convidando-o para trabalhar na Refúgios. Depois de um ano trabalhando juntos, disse que ele vestia a camisa de uma maneira que seria justo se ele adquirisse uma parte da sociedade. Como temos um relacionamento de amizade muito legal, eu sempre brinco que o Octavio é o sócio que eu pedi para a vida. Eu já levei umas rasteiras de outros sócios e me questionava se seria melhor ter um sócio novamente ou manter tudo nas minhas mãos para não ter mais problemas. E, em cinco anos, nunca tivemos uma discussão. Tomamos a liberdade de pegar um ano para decidir como seria a sociedade. Essa é uma dica interessante: se conhecer antes de virar sócio, é importante. Às vezes, a intenção é boa, mas as pessoas se associam muito rapidamente, sem as conversas necessárias para a sociedade não desandar, às vezes por um motivo besta.

Atitude. É igual casamento. Tudo o que não é conversado pode causar estrago.
MG. Exato. Quando você considera se associar a alguém eu acho saudável ter todas as conversas possíveis. Mesmo eu sendo o dono naquele momento, que iria ceder uma parte minoritária, não queria que fosse top-down, de cima para baixo. Tinha interesse em negociar com a mesma tranquilidade, para que ele colocasse as questões dele e eu, as minhas, e, assim, chegarmos a um acordo. E foi muito legal. Depois, a Camila e o Rafael entraram. Lembro bem de quando apresentei o plano de cotistas para o Rafael. Ele havia trabalhado em corporação e comentou que estava muito bem feito, prevendo toda uma série de aspectos. Foi realmente muito bacana, porque esse trabalho foi útil também para os outros sócios que entraram posteriormente.

Atitude. Tem como compartilhar alguma história que o marcou nessa pesquisa sobre os prédios e as casas de São Paulo?
MG. Tem muitas histórias nesse sentido. É interessante você falar isso, acho que nem todo mundo capta essa visão. Não conheci diretamente os arquitetos, a maioria faleceu, os mais famosos atuaram nos anos 50 e 60, já no auge da própria carreira. Mas conheci filhos, esposas etc. Acabei virando amigo da família Siffredi, por exemplo, que me contou várias histórias do Siffredi, o arquiteto que projetou o Hotel Hilton da Avenida Ipiranga, a Galeria do Rock, além de outros prédios e empreendimentos de São Paulo. Ele era um cara do marketing, foi um dos primeiros a fazer a maquete do prédio, ensinava aos corretores os diferenciais dos empreendimentos para que eles conseguissem vender o que era realmente interessante naquele projeto. No caso do Hilton, ele montou uma partnership com os investidores da incorporação para que eles fossem sócios do negócio. Ele era um arquiteto, mas também um empreendedor. Tinha essa atitude empreendedora de saber que apenas um belíssimo projeto não levanta o prédio.