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temporada 1 • episódio #8

Um executivo empreendedor

17.dez.2019

O diretor geral do Linkedin no Brasil, Milton Beck, compartilha os aprendizados da sua experiência de vida: como reconhecer talentos, criar relações de confiança e longo prazo e empreender dentro de uma grande empresa – sem perder de vista as prioridades.

 

Ouça o episódio aqui

    

Milton Beck é diretor-geral do Linkedin para a América Latina. Entrou na empresa em 2012, como responsável pela área de Soluções de Talentos no Brasil, que atende os RHs de organizações. Em seguida, assumiu a mesma posição para a América Latina, com o objetivo de conectar empresas e profissionais para que todos fossem bem-sucedidos. Engenheiro por formação, graduado pela Universidade de São Paulo, tem pós-graduação em Administração pela FGV. Nesta entrevista, Milton fala sobre atitudes empreendedoras, com base em suas experiências, e quais são as habilidades que ele procura em um entrevistado antes de contratá-lo.

ATITUDE EMPREENDEDORA. O que, hoje, você considera atitude empreendedora de profissionais dentro de uma empresa? O que um funcionário faz ou pode fazer que reflete essa postura?
MILTON BECK. Em uma empresa como o Linkedin, e mesmo outras, o importante, primeiro, é a pessoa saber qual é a função básica e primordial dela. Eu falo isso porque, uma atitude empreendedora é a daquela pessoa que almeja fazer melhor a coisas, traz ideias, busca alternativas diferentes para resolver um problema, tira o tradicional da caixinha. O importante é pensar também que tudo isso é feito dentro de um escopo. Quando contrata uma pessoa você espera que ela realize pelo menos as funções para a qual ela foi contratada. Como falo com muita gente jovem, cheia de ideias, esta é uma coisa que sempre saliento: a importância de executar aquilo para que você foi contratado e entender o contexto geral da empresa para buscar novas alternativas. Você pode ser empreendedor no seu próprio negócio ou dentro das empresas em que trabalha, fazendo isso de forma boa para você e para a empresa.

Atitude. Existe um jeito de fazer o básico com uma atitude empreendedora também?
MB. Para mim, a palavra empreendedorismo tem muito a ver com cabeça de dono. Quando você tem cabeça de dono no negócio você faz com mais vontade, com as palavras certas, com o nível de energia correto, no timing certo. Às vezes, você escuta: “Mas eu fiz certinho e não deu certo”. Às vezes, o certinho não era o suficiente. Você respondeu na hora o que era necessário responder, usou as palavras adequadas, falou no tom de voz certo, sua postura corporal era correta. Mas o empreendedorismo e essa postura de dono que esperamos dos colaboradores estão muito relacionados a vestir a camisa da empresa. O que é uma frase até clichê, mas muito importante para diferenciar a pessoa que faz por fazer, que marca ponto, daquela que faz realmente com interesse e com o objetivo de que dê certo. O empreendedorismo se dá em diversas formas, em como você trata seu cliente, em como você trata seus colegas, no relacionamento com seu chefe, como você segue os processos preestabelecidos. O empreendedorismo não é simplesmente ficar criando coisas novas. É també importante executar, ver o que a empresa está precisando de você naquele momento, verificar oportunidades de melhoria e se elas são oportunidades que realmente mexem a agulha, fazem diferença para a empresa naquele momento.

Atitude. Você já teve uma breve experiência empreendendo um negócio. Pode contar essa história?
MB. Eu sou formado em engenharia mecânica, trabalhei com engenharia e informática nos primeiros dez anos da minha carreira. Em 94, a política econômica brasileira sofreu uma mudança. Na época, o presidente Collor facilitou importações de diversos produtos. Tem até uma frase clássica em que ele diz que os carros brasileiros eram umas carroças. Eu, que trabalhava numa empresa particular, achei que fosse uma boa hora para empreender. Minha irmã tinha tido um filho recentemente e, por isso, nós pesquisamos preços de carrinhos de bebê em vários lugares. Aqui no Brasil era muito caro e vimos que na China era muito barato. Foi quando tivemos a ideia, resolvemos criar uma empresa para comercializar carrinhos de bebê aqui. E foi um sucesso. Criamos uma marca local, trouxemos alguns milhares de carrinhos para o Brasil e começamos a vender. Vendeu tudo muito rápido. Essa foi minha primeira experiência como empreendedor – e como dono de uma pequena empresa –, em que você tem uma grande ideia, mas começa a ver as dificuldades na execução.

Atitude. Que tipo de dificuldade?
MB. Uma empresa tem departamento legal, de contabilidade, de RH, mas na minha eu era tudo isso. Não tinha para quem perguntar, quando tinha uma dúvida, precisava resolver sozinho. Mas, a despeito de tudo isso, minha empresa foi bem. Até que aconteceu uma situação complicada. Os contêineres que eu tinha importado da China atrasaram muito, teve algum problema com o frete, e eu fiquei sem produtos para vender. Ao mesmo tempo, a concorrência aumentou muito em alguns meses. A ideia que eu tive, em 94, de trazer um nicho de produtos para o Brasil foi muito legal, porque havia uma oportunidade importante. Mas uma coisa que não pensei na época, e este é um aprendizado que compartilho, foi na barreira de entrada para outras empresas e pessoas fazerem a mesma coisa. Apesar de a ideia ter sido boa e de eu ter tido uma vantagem de tempo após ter começado essa operação, muitas outras empresas descobriram que os carrinhos da China eram baratos, e eles começaram a chegar em abundância ao Brasil. Apesar do aumento da concorrência, continuávamos operando, mas houve esse atraso, alguns contêineres não chegaram e ficamos sem produtos para vender. Foi quando resolvi que, em vez de ficar parado, faria consultoria em computação gráfica, uma área que conhecia. Liguei para várias empresas e ofereci meus serviços. Comecei a trabalhar meio período como consultor em uma companhia, enquanto seguia cuidando da minha empresa. Foi quando minha carreira progrediu nessa área em que eu estava part-time, em que desenvolvi minhas horas como consultor. Era um produto da Microsoft, que gostou do meu trabalho e me fez uma oferta, em 97. Decidi fechar meu negócio de carrinhos e voltar a trabalhar em uma grande empresa, a Microsoft, onde fiquei mais de 13 anos.

Atitude. E como é essa experiência de ter o próprio negócio sem contar com RH, financeiro, jurídico… Como isso mudou sua mentalidade e maneira de trabalhar, inclusive quando voltou a uma grande corporação?
MB. Como eu já tinha sido uma pequena empresa, quando eu ia conversar com outros pequenos era muito mais fácil me colocar no lugar deles. É muito fácil falar que se coloca no lugar de uma pequena empresa, mas sempre ter trabalhado em grandes organizações. Eu passei pela experiência de não ter capital de giro, de ter que resolver tudo sozinho, de enfrentar limitações de suporte por não ter RH, departamento financeiro nem jurídico e de ter que buscar assessoria para tudo isso. Por isso, ao partir para uma corporação que atende o mercado do pequeno empresário, eu estava muito mais apto a entregar as soluções adequadas para ele. Vale dizer que meu primeiro emprego na vida foi numa automotiva no ABC [região principalmente industrial no estado de São Paulo], uma empresa muito grande, fiquei dois anos e meio lá e nunca vi o presidente. Vi uma vez o vice-presidente passando, mas nunca conversei, nunca interagiu comigo. Eram figuras muito distantes, mas eram as características da época, talvez da década. No fim dos anos 80, havia uma hierarquia muito rígida, um distanciamento entre funcionários e liderança. Depois, fui para uma empresa de dono. Empresa de dono tem características muito únicas. Trabalhar com o dono está muito ligado à personalidade da pessoa, o processo daquela pessoa, é muito pessoal. É uma experiência também muito intensa, porque não há separação entre empresa e pessoa, é como se fosse uma coisa única. Em seguida, tive a minha empresa e, posteriormente, fui para a Microsoft. Para mim, foi muito válido ter todas essas experiências, não só a de pequeno empreendedor, mas também a de trabalhar em uma empresa de dono, em multinacional americana, em uma empresa automotiva familiar, no ambiente em polvorosa da metalurgia do ABC na década de 80. Tudo isso contribuiu para minha carreira. Hoje, que ocupo outra posição, é muito importante ter passado por essas experiências. Como disse Nietzsche: “O que não me mata me fortalece”. Essas experiências me fortaleceram bastante, me fizeram ser um profissional muito melhor do que eu seria se tivesse passado toda a minha carreira apenas em grandes corporações.

Atitude. As pesquisas e tendências atuais falam muito que, se antes as empresas eram responsáveis por cuidarem da carreira das pessoas, hoje, as pessoas são responsáveis por cuidarem da própria carreira. Você vê essa mudança, de fato? E como as pessoas precisam agir para fazer sua parte e ter sucesso no longo prazo?
MB. Se você perguntar para dez pessoas como elas veem a evolução de suas carreiras, elas irão listar os cargos que tiveram. Na cabeça da maioria das pessoas a evolução na carreira significa cargos mais altos nas empresas, o que é uma distorção, porque a maioria das empresas tem estrutura piramidal, ou seja, quanto mais perto do poder, menos vagas. A pessoa, às vezes, pensa que está estagnada porque não muda de cargo. Na cabeça dela, o desenvolvimento não aconteceu, pois o cargo que ocupa hoje é o mesmo de dois anos atrás. Isso é uma inverdade. O que eu sugiro, particularmente quando se fala de carreiras, é refletir menos sobre cargo e mais sobre as habilidades de que você necessita para se desenvolver profissionalmente. Ao falar com um funcionário sobre sua carreira, você pode abordar os cursos que ele fez, que pretende fazer, quais habilidades ele acha que estão consolidadas hoje e em quais existe um déficit, habilidades técnicas. Ele precisa aprender alguma coisa? Precisa fazer um curso, ler um livro ou desenvolver habilidade sociais? Ele tem dificuldade para ter conversas difíceis? Para criar um espírito de time com o grupo? De gerenciar para baixo ou para cima? Quando você fala em carreira, a primeira coisa é dissociar a discussão sobre carreira dos cargos. A partir daí, a conversa é mais produtiva. Você mencionou que cada vez mais é importante que as pessoas cuidem da carreira, e isso é verdade. As empresas ajudam, elas têm pessoas e gestores que podem ser capazes de terem uma conversa produtiva com os funcionários. Porém, só o indivíduo sabe o que é bom para ele. Às vezes, o futuro profissional daquela pessoa não está na empresa em que trabalha, e seu gestor, em uma conversa honesta, deveria falar: “Olhe, o melhor para sua carreira não é continuar trabalhando aqui, mas sim ir para outra empresa”. Ou ainda: “O melhor para sua carreira seria passar por uma movimentação lateral. Você não vai mudar de cargo, mas vai aprender coisas novas que vão fazer de você um profissional melhor”. Quem cuida da carreira é o indivíduo. Muitas pessoas podem ajudá-lo nessa jornada, do chefe ao coach, passando pelos mentores, que são capazes de oferecer suporte nas tomadas de decisão. Entretanto, tudo se baseia em conversas honestas, francas e despojadas de interesses unilaterais. Não pode ser uma discussão apenas baseada no interesse da empresa ou do funcionário. Há fatores que precisam ser levados em conta aqui, e o colaborador tem que definir o melhor para ele.

Atitude. O que você leva em conta, além da parte técnica, quando contrata alguém para sua equipe?
MB. Uma coisa muito importante é ver o que vai fazer aquele time ficar mais forte. É importante ver a experiência e onde a pessoa se formou, mas o fundamental é fazer o time jogar bem. Vou fazer uma analogia com o futebol. Suponha que você esteja montando um time e precise contratar um atacante. Você pode contratar o Neymar, ele é muito bom, mas talvez para aquele momento o seu time precise de outro tipo de atacante. Então, você não vai contratar o Neymar, talvez ele seja um dos três ou quatro melhores do mundo, mas para aquele time, naquele momento, você precisa de outro tipo de jogador. Eu penso a mesma coisa quando escolho profissionais. Olho a pessoa como um ente inteiro. Não apenas sua capacidade, o histórico acadêmico, profissional, mas como ela vai se relacionar com outras pessoas e se vai contribuir para que meu time fique mais forte ou mais fraco.

Atitude. Qual foi o maior erro que você já cometeu em relação a escolha de pessoas?
MB. Todo mundo já contratou de maneira equivocada. Não existe magia que vá fazer empresas ou pessoas sempre contratarem corretamente. Mas acho importante acertar bem mais do que errar. Alguns dos maiores erros estão relacionados a olhar o indivíduo sob apenas uma de suas facetas. O que eu já fiz também, já olhei só para o lado profissional, gostei do que vi no currículo, sem levar em conta características pessoais ou que passaram batidas no processo das entrevistas. É comum ter pessoas que preenchem o checklist: elas têm as habilidades, fizeram os cursos necessários, têm as hard skills para entregar um trabalho em uma determinada função, contudo, na prática, ao trabalharem na equipe, não se integram, não se adaptam à velocidade daquele time, tampouco entendem a cultura da empresa. Muitas outras coisas fazem com que alguém não seja bem-sucedido. Para diminuir o viés, cada vez mais temos várias pessoas entrevistando o mesmo candidato, e um grupo que analisa o que os entrevistadores acharam. Às vezes, para contratar alguém para um cargo inicial aqui, três ou quatro pessoas entrevistam, assim temos várias opiniões e podemos eliminar um pouco esses viés que todo mundo tenta não ter, mas é muito difícil conseguir.

Atitude. Você vê algum limite entre o que a pessoa tem que trazer de fábrica e o que ela consegue desenvolver, ajudada e estimulada pela empresa?
MB. Não tem limite para nada. Mas precisa ter interesse, curiosidade e vontade de aprender. Eu acho mais fácil uma pessoa entrar e ser bem-sucedida na empresa sabendo menos do que com muita coisa de fábrica, achando que sabe tudo. Esses são os casos mais difíceis. As situações mais complicadas para gerenciar envolvem as pessoas que não aceitam coisas novas, que acham que o que elas sabem é o suficiente, ou seja, o que deu certo para elas nas empresas A, B, C vai dar na D também. Os gerentes e gestores gostam das pessoas que têm interesse em aprender, são mais flexíveis, podem se adaptar a culturas diversas, são interessadas e curiosas. Eu contrataria a pessoa com mais flexibilidade e vontade de aprender.

Atitude. Em que medida um executivo de uma empresa global, como você, pode ter uma atitude empreendedora, seguindo todas as ordens, diretrizes, metas e objetivos da matriz? O que você, como liderança hoje, do Brasil, pode fazer com autonomia?
MB. Não vou dizer que todas as multinacionais são iguais. Na verdade, não são. Muitas são engessadas. Mas aqui, no Linkedin, temos uma missão: conectar profissionais para fazê-los mais bem-sucedidos e produtivos em suas carreiras. Quando eu tenho alguma oportunidade empreendedora no meu trabalho aqui, algo que não consta exatamente do meu playbook, do que preciso fazer, se eu acredito que está alinhada à missão da empresa, eu não tenho muitas dúvidas de que posso seguir em frente. Claro, em qualquer coisa que faço, há uma análise de riscos. Eu não quero colocar a reputação da empresa em risco nem os recursos financeiros, tampouco colocar a empresa em risco legal. Chamamos isso de risco calculado: se der tudo errado, que malefício eu vou causar? Se der tudo certo, o benefício é maior do que o risco que vou correr? O Linkedin, em particular, é uma empresa muito legal, muito bacana em termos de permitir que os funcionários tentem coisas novas, sem se restringirem ao básico do que está desenhado na descrição do trabalho. Eu, como todos os outros funcionários da empresa, sigo a mesma filosofia. Por outro lado, eu falo para eles também: primeiro, precisamos entregar o primordial pelo o que fomos contratados.

Atitude. Pode dar exemplos?
MB. Eu tenho algumas coisas que estão sob minha responsabilidade direta. São quatro pilares, que considero o core da minha função. O primeiro está relacionado aos usuários. Nós temos 90 milhões de usuários na América Latina, 40 milhões só no Brasil. Consequentemente, nossa plataforma depende desses usuários para ser bem-sucedida. Tenho uma responsabilidade com eles, para que possam utilizar a plataforma da melhor forma possível e alavancar suas carreiras. Minha segunda responsabilidade é com as empresas que compram nossas soluções. Há empresas que as contratam para recrutar melhor, outras para fazer publicidade, outras para fazer vendas de business to business, e há aquelas que oferecem conteúdo de aprendizado para os funcionários. Trabalho para que essas organizações tenham retorno pelo o que investem conosco. Meu terceiro pilar de responsabilidade é entregar as métricas que a empresa espera de mim, de engajamento de usuários, de lucratividade, de receita, assim por diante. E o quarto pilar, tão importante quanto os outros três, está relacionado aos funcionários da casa. Eu espero que eles tenham uma carreira bem-sucedida, que venham felizes trabalhar, que tenham um ambiente em que se sintam orgulhosos, em que se sintam eles mesmos, onde possam mostrar quem são, sem precisar esconder nada. Saliento bastante isso aqui. Diversidade não é simplesmente aceitar pessoas diferentes na companhia, mas dar a elas o senso de pertencimento, de que elas pertencem realmente à organização. Por exemplo, um colaborador homossexual, se ele tiver um namorado, espero que se sinta à vontade não apenas para assumir sua orientação sexual como também para trazer a pessoa aqui. Espero que ele possa ser ele mesmo, sem precisar esconder partes da personalidade num ambiente. Aqui nós acreditamos que essa é a maneira correta de viver. E tem empreendedorismo dentro desses quatro pilares. É necessário ter empreendedorismo ao buscar clientes corporativos, ao arquitetar o aumento do engajamento dos usuários com a plataforma, ao garantir que seus funcionários venham felizes para o trabalho e enfrentem os problemas do dia a dia com resiliência, que encarem isso aqui como uma coisa positiva. Para onde você olhar, há coisas a serem feitas.

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