Skip to content
 
temporada 1 • episódio #9

Empreender com o dinheiro dos outros

23.dez.2019

Romeo Busarello, da Tecnisa, é um dos poucos CMOs do mercado com mais de 50 anos. Nesta entrevista, ele fala sobre a vontade de ser funcionário em vez de dono do negócio, sobre a necessidade de atualizar suas habilidades e sobre o “ageism”, viés de rejeição aos profissionais mais velhos.

 

Ouça o episódio aqui

    

Romeo Busarello é diretor de marketing e inovação em ambientes digitais da Tecnisa e professor nos cursos de pós-graduação e educação executiva da ESPM, do Insper e da FIA. Tem mais de 35 anos de mercado e foi um dos precursores no Brasil do uso da internet como plataforma de negócios. Nesta entrevista, Romeo fala sobre o empreendimento de que mais se orgulhou em sua carreira de executivo, sobre as atualizações que o profissional mais velho precisa fazer na sua área e sobre as habilidades do futuro.

ATITUDE EMPREENDEDORA. Você costuma dizer que empreende com o dinheiro dos outros. O que significa isso?
ROMEO BUSARELLO. Algumas pessoas trabalham 24 horas por um sonho, outras, oito horas por um salário. Eu faço parte do segundo time. Eu trabalho oito horas por um salário. Claro que não são oito horas, é apenas figurativo. Mas eu sempre adorei empreender, sempre, em todas as empresas por onde passei, com o dinheiro do outros. Eu adoro fazer inovação, propor coisas novas, negócios novos, mas sempre com o dinheiro do investidor, nunca com meu próprio dinheiro. Isso é autoconhecimento. Ao longo da minha carreira eu fiz coaching, quando ainda não se falava nisso, e descobri minhas competências. Uma delas, talvez em virtude da minha educação, é não ter perfil para empreender. Eu sou de uma geração cujos pais educaram para encontrar bons patrões. “Filho, vai trabalhar do Banco do Brasil, vai trabalhar na Johnson, vai trabalhar na Nestlé”. Quando eu comecei a minha carreira era muito difícil empreender, muito complexo. Naquela época, comprar um telefone custava US$ 5 mil. Para comprar um computador, tinha que trazer do Paraguai, mais US$ 5 mil. Pasmem, na época, a legislação brasileira não permitia abrir um negócio sem uma sede própria, você tinha que ter um escritório. Se não tivesse um escritório, um endereço comercial, para registrar a empresa, você não podia abrir um negócio. Então, eram tempos mais difíceis para você empreender. E, talvez pela educação que recebi, eu não tinha esse perfil de empreendedor. Mas eu sempre fui um professor muito inquieto, desde jovem, sempre estudei muito, li muito, era muito esforçado, muito obcecado por leitura. Tem uma frase de que gosto muito: “Quem não lê, não pensa, e quem não pensa será um eterno servo”. Essa frase foi citada pelo Paulo Francis quando era um dos apresentadores do Manhattan Connection. Como eu sempre li muito, é natural que, nas reuniões, nos encontros, eu me destaque, porque eu fico mais inquieto, mais conectado, mais plugado, consigo fazer mais correlações e traçar cenários análogos. Então, eu vou morrer sendo executivo, eu adoro ser executivo, adoro trabalhar com o dinheiro dos outros. A minha intenção é continuar, nos próximos anos, como um bom executivo, e não como um empreendedor.

Atitude. De qual inovação você mais se orgulha na sua carreira de executivo?
RB. São muitas. A Tecnisa, onde estou há 18 anos, é a empresa em que eu trabalhei por mais tempo e onde fiz coisas muito disruptivas. Uma delas foi vender apartamento pela internet. Começamos em 2000 e nos destacamos. Em 2006, o Google nos reconheceu como uma das melhores empresas do mundo no uso de suas ferramentas. Fomos a primeira empresa a vender por redes sociais, pelo Twitter. A primeira do mundo a vender apartamentos com criptomoedas. Hoje, quase 96% das nossas vendas são originadas pela internet. Nós temos práticas muito sofisticadas para capturar clientes e vender apartamentos de R$ 1 milhão. E eu acho que a principal disrupção que sofri foi conseguir capturar muito rapidamente a mudança do profissional de marketing. Hoje eu estou muito mais um profissional de matemarketing de dados do que um profissional convencional de marketing.

Atitude. Como o profissional mais velho faz para se atualizar e continuar no mercado? E como as empresas terão que se adaptar para integrar os profissionais de diferentes gerações?
RB. Eu sempre comento nas minhas palestras e nas minhas aulas sobre o stop ageism, ou seja, pare com o preconceito etário. O mercado hoje fala muito de algumas questões relacionadas à mulher, que eu apoio, questões relacionadas a gênero e raça, com as quais estou 100% alinhado, mas fala-se muito pouco da questão etária. Nós estamos entrando num processo de envelhecimento. O Brasil passa, aos poucos, a ter mais avós do que netos. E o mercado tem sido cruel com a idade, sobretudo em algumas áreas, por exemplo, o marketing. O marketing é extremamente castigado pela idade. Quantos CMOs vocês conhecem no Brasil com mais de 50 anos? Eu conheço uns dez, muito pouco. A área de marketing é muito preconceituosa com idade, existe uma ditadura da idade. São poucos os profissionais com mais de 50 anos que trabalham com marketing, porque, nessa área, o conhecimento não é cumulativo. Quando olho para os meus pares na Tecnisa, cada ano que passa, meu diretor técnico fica melhor; cada ano que passa, meu diretor jurídico fica melhor; cada ano que passa, meu diretor de controladoria fica melhor. Mas eu, a cada ano, fico pior. Porque na área de inovação, ambientes digitais, marketing, o conhecimento é muito efêmero. Por outro lado, também faço a minha crítica aos profissionais com mais de 50 anos, pois tenho observado o descasamento de competências. São profissionais que, muitas vezes, não atentaram para essas mudanças abruptas do mercado de trabalho, porque a grande maioria constitui profissionais monotemáticos, “monossegmento” e “monoindústria”. Trabalham muitos anos no mesmo setor, na mesma empresa, realizando basicamente as mesmas atividades. Só que hoje não há profissão, não há segmento, não há indústria que não esteja passando por grandes transformações. Eu vejo um descasamento de competências em relação à idade. Eu venho me preparando há anos. Acho que faz parte do meu perfil, minha inquietação em relação a essas competências que o mundo atual solicita. Mas são poucos os profissionais que vão atrás do conhecimento, porque todo mundo quer um milagre, ninguém quer a peregrinação, ninguém quer correr atrás. Hoje, eu ando duas vezes mais rápido que eu andava em 2013, 2014 para ficar no mesmo lugar. É um mundo de oportunidades. Mas o grande mal do século 21 está aí, é a depressão, é a ansiedade, que vem acometendo milhares de pessoas, sobretudo executivos, que têm uma dificuldade muito grande em acompanhar a intensidade das mudanças. E, hoje em dia, a curva de esquecimento é mais importante do que a curva de aprendizado.

Atitude. O que você precisa jogar fora que não serve mais.
RB. Exatamente, que não serve mais. A mudança favorece a mente preparada. Acredito que nós teremos anos espetaculares em termos de oportunidades. Tanto para o empreendedor como para o executivo, desde que você tenha as competências que o mercado solicite. O que me trouxe até aqui não é o que vai me levar para os próximos anos como executivo. Claro, eu tenho que me esforçar muito mais hoje, porque eu sou executivo, tenho 54 anos, e a natureza é sábia. Eu não tenho a mesma explosão dos 30 anos, mas eu sei o caminho, não o caminho das pedras, mas eu tenho algumas competências que são únicas de quem chegou aí nos seus 50 anos. A empresa não fala, mas eu sou avaliado pela quantidade de incertezas que sou capaz de suportar. E a idade ajuda a suportar essas incertezas e a levá-las com uma certa serenidade. Essa é uma das poucas vantagens da idade. Eu estou passando por um processo de reskilling. Fazendo uma requalificação de todas as minhas competências. Por exemplo, entre 2017 e 2018, eu estava dando uma aula em uma das universidades em que leciono e uma aluna se posicionou sobre uma fala imprudente que eu fiz.

Atitude. Sua fala foi politicamente incorreta?
RB. É, politicamente incorreta. Foi um viés inconsciente meu, sem propósito. Mas eu sou um homem carregado de preconceitos, tenho 54 anos, eu acho que todos os homens dessa geração são carregados desses preconceitos. Mas reconheci que estava errado. Por isso, resolvi fazer um trabalho pessoal, contratei uma professora de masculinidade tóxica para me ajudar com todas essas questões de preconceitos que eu carrego. Cada ano que passa, os meus liderados são mais jovens, são liderados que vêm com um estilo completamente diferente do que eu incorporei ao longo da minha carreira. Isso me ajudou bastante. Hoje eu tenho líderes na faixa dos 27 anos, e os meus alunos também estão nessa faixa de 30 anos, que são alunos mais conscientes, mais engajados, jovens e líderes mais politicamente corretos, o que eu apoio e concordo plenamente. Cabe a nós, executivos mais seniores, nos prepararmos e revermos uma série de posicionamentos do passado que não fazem mais sentido. Eu vou até pedir um disclaimer para citar alguns exemplos de coisas que não se falam mais no mundo corporativo, mas que ainda se vê muito, sobretudo em executivos com um pouco mais de idade. Porque se tem uma indústria enviesada em termos de preconceito é marketing. Eu vou pedir uma autorização para falar esta palavra, mas me entendam, isto não é mais permitido no mundo corporativo: quantas vezes a gente ouviu aquela expressão: “Eu quero saber se alguém aqui é macho para tomar essa decisão”.

Atitude. Sim.
RB. Essa é uma expressão muito usual no mundo corporativo, mas hoje não é mais permitida no ambiente corporativo. Eu sou palmeirense e, com uma certa frequência, vou aos jogos do Palmeiras com meus dois filhos. Eu sempre escutava uma expressão que me incomodava muito no estádio, e a torcida do Palmeiras reviu esse conceito. Fiquei muito satisfeito, muito feliz, meus filhos também apoiaram bastante a decisão. Toda vez que o goleiro ia repor uma bola para o ataque e demorava para jogar a bola para o ataque, a torcida adversária cantava em coro: “Bicha!”. Mesmo em estádio de futebol, hoje, isso não é mais permitido, porque você está fazendo uma menção homoafetiva. Dentro da torcida do Palmeiras, muitos torcedores são homoafetivos e se incomodam. É correto, não pode mais falar isso. Então, nós estamos mudando para um mundo melhor, mas nem todo mundo incorporou, nem todos os executivos entenderam essa nova dinâmica da sociedade, que demanda comportamentos mais inclusivos e não exclusivos. Eu revi isso. Fiz um curso de comunicação não violenta, fiz um curso de vieses inconscientes, porque são novas competências que eu preciso ter como líder. As competências que me trouxeram até onde eu estou não são as mesmas que vou precisar para me manter como executivo nos próximos anos, e o meu sonho é continuar sendo um bom executivo, e não um empreendedor.

Atitude. Muito legal. Quero agradecer pela sua sinceridade de compartilhar, de tocar em um tema tão polêmico. Você trouxe isso com uma sinceridade rara, que possivelmente contribui para a evolução dos profissionais nas empresas.
RB. Eu estou alinhado, não tem essa questão de ser mi-mi-mi. Não é mi-mi-mi, é por uma sociedade melhor, por um mundo melhor. Eu nunca tinha sido minoria e eu passei a ser minoria, faz uns três anos, eu passei a ter mais de 50 anos. Eu era sempre assediado pelo mercado para possíveis desafios de trabalho, mas faz três anos que headhunter não me liga mais, porque ele vai ao meu LinkedIn, vê que eu tenho mais de 50 anos e fala: “Esse indivíduo não entende a nova economia”. Eu ouvi recentemente o presidente de uma grande instituição financeira dizendo o seguinte: “Eu estava contratando um diretor de marketing, demorei quatro meses para contratar meu diretor e, depois de quatro exaustivos meses de procura, fechei com um diretor. A condição para que eu o contratasse era não ter mais de 40 anos. Porque, se ele tivesse mais de 40 anos, ele não entenderia da nova economia”. Eu fiquei chateado com a declaração, porque eu sou um executivo de 54 anos e eu não entraria no processo seletivo dessa instituição. Esses dias, eu vi a executiva de uma fintech brasileira citando que na empresa havia várias nacionalidades, havia uma quantidade de mulheres, de homoafetivos, de afrodescendentes e que a idade média dos executivos era 28 anos. Novamente, eu estaria fora dessa empresa, dessa fintech, porque eu tenho 54 anos. Então, stop ageism. Pare com o preconceito etário. Tem muita gente boa com mais de 50 anos que sobrevive à nova economia, que está alinhada à agenda da nova economia. Mas quando alguém faz uma consulta em uma rede pública, como o LinkedIn, e vê que você tem mais de 50 anos, você está fora do mercado. Sem contar alguns atos criminosos. Recentemente, tomei conhecimento de que várias empresas não contratam pessoas com mais de 50 anos para não onerar o plano de saúde. Isso é crime. Fala-se muito sobre essas questões inclusivas, mas não podemos deixar de pensar nos 50+. Lembrando que o Brasil passa a ter mais avós do que netos. Eu sempre falo em casa para minha esposa: nós não temos que nos preocupar com nossos filhos, eles nasceram no momento certo. O governo muitas vezes fala dos jovens. O que você vai fazer com as pessoas com mais de 50 anos que precisam passar por um reskilling? Eu vi uma matéria recentemente sobre o livro “21 Lições para o Século 21”, ele cita o exemplo da Dinamarca, que paga uma bolsa de estudos para quem quer fazer um reskilling na carreira. Porque como as carreiras estão “disruptando”, um indivíduo de 50 anos precisa ressignificar a carreira, precisa começar uma carreira do zero, mas ele precisa ter renda para começar uma faculdade, começar uma carreira nova. Ele precisa ter um rendimento mínimo para poder sobreviver, e o governo da Dinamarca está dando essa bolsa de estudos para quem quiser desejar fazer um reskilling.

Atitude. Muito interessante.
RB. Acho que o grande problema no Brasil é: o que nós vamos fazer com essas pessoas com mais de 50 anos, que estão descansando competências? Todas as competências que elas acumularam ao longo da vida não farão mais sentido daqui para frente.

Atitude. Qual é sua visão sobre gestão?
RB. Inteligência artificial, big data, internet das coisas, não são as principais tecnologias do século 21. A principal tecnologia do século 21 é a tecnologia de gestão. Os gestores estão tendo dificuldade de compreender esses novos mundos, sobretudo nessa questão de liderança. Vou dar um exemplo que aconteceu comigo de 2017 para 2018. O mercado imobiliário brasileiro passava por uma crise e nós resolvemos dar férias coletivas de 18 dias. Isso é uma eternidade em tempos atuais, pois as pessoas querem customizar as suas férias, querem tirar férias no período mais apropriado a elas, mas, por uma questão de ambiente econômico, tivemos que promover férias coletivas. Um dos meus executivos, um jovem muito bom, muito talentoso, passou por cima do gerente e veio falar comigo direto: “Olha, Busarello, eu não aceito férias coletivas. Essa não foi a empresa que você me vendeu quando me contratou. Eu tenho viagem marcada com meu namorado e não aceito férias coletivas”. Este era um problema inédito. No passado seria muito fácil resolver isso. Vem um coordenador e se posiciona dessa maneira, seria muito fácil resolver. Hoje não é tão simples resolver o problema, você vai ter que acomodar. Eu fiquei no limite do compliance da companhia. Como é que eu gerencio uma situação como essa? Em que o indivíduo fala: “Eu não aceito. Essa não foi a empresa que você me vendeu”. De fato, essa não havia sido a empresa que eu havia vendido para ele em 2013, quando ele entrou. Mas o ambiente econômico no país era outro, e as coisas mudaram abruptamente em três ou quatro anos. Enfim, acabei resolvendo de uma forma não muito convencional, mas também não atravessei o limite do compliance e a gente se acertou, mas é uma situação nova, que demanda uma tecnologia de gestão completamente diferente. Estou começando a montar meus squads na companhia há um bom tempo já. Squads, metodologias ágeis, são tecnologias de gestão com as quais, no passado, eu talvez não me preocupasse. Hoje, quando eu vou contratar um executivo, ele precisa ter três competências: ser bom de trabalho; ser bom de cerveja; e ser bom de xadrez. Bom de trabalho é alguém que entrega, pressuposto básico para você ter um bom executivo no time. Bom de cerveja é um executivo bom de grupo, bom de time, bom de colaboração.

Atitude. Não é necessariamente um bom bebedor de álcool.
RB. Não, a cerveja é apenas uma metáfora, uma simbologia. Por exemplo, eu tive um executivo que trabalhou comigo que era muito bom de trabalho, mas, quando nós migramos para squads, ele encontrou dificuldades. Quando você vai para um squad você tem que saber fazer concessões; você vai ter divergências de opinião, vai ser confrontado, vai ter que saber fazer concessões. E esse indivíduo era muito bom em trabalho, mas não conseguiu conviver nos squads, ou seja, não era bom de cerveja. E o terceiro é ser bom de xadrez, porque qualquer empresa com mais de duas pessoas é uma instituição política. Então, no mundo corporativo, se você não souber jogar xadrez, você pode sofrer implicações na ascensão de carreira. É muito importante você saber jogar xadrez. Às vezes, eu vejo pessoas muito boas de trabalho, muito boas de cerveja, mas ruins de xadrez. Toda empresa é uma instituição política e, se você não souber jogar o xadrez político, você não sobrevive.

Atitude. E qual é o limite desse xadrez político para não se tornar politicagem tóxica?
RB. É verdade, tem política e tem politicagem. Levar Sonho de Valsa todo dia para a secretária do chefe para ela liberar a sua agenda, porque está tumultuada, é politicagem. A política é a arte do impossível. É a arte de convencer, de sensibilizar, a arte de mobilizar. Aliás, 98% do meu tempo como executivo na Tecnisa é política, eu faço política o tempo todo. Por quê? Quando você trabalha com temas como marketing, inovação, essas áreas da nova economia, o não é muito rápido e o sim, muito lento. Eu acordo todo dia com um não e passo o dia todo correndo atrás de um sim. E, para isso, precisa ter muita habilidade política para convencer, para sensibilizar, para desobstruir, sobretudo para desobstruir, pois o mercado pede empresas mais ágeis. Empresas mais estabelecidas têm seus legados, seus compliances e, muitas vezes, você precisa ter habilidade política para desobstruir os caminhos. O meu livro de cabeceira nos últimos 10 anos, depois que assumi cargos mais executivos na companhia – hoje eu pertenço ao board da empresa –, é Nicolau Maquiavel, a arte do impossível, política, muita política. A política do bem não é politicagem.

Atitude. É diferente de puxa-saquismo?
RB. Sim. Política é a arte de convencer pelo argumento, pelo bom argumento, pelos fatos, pelos números, pelas evidências. Eu aprendi o seguinte: todo custo é uma certeza e toda receita é uma esperança. Então, cabe a você ter bons argumentos para convencer e fazer política. Não há absolutamente nada de errado em fazer política no mundo organizacional. As pessoas fazem política diariamente sem saber que estão fazendo política. Algumas são mais apuradas e sabem a importância de fazer uma boa política.

Atitude. O que você entende por inovação?
RB. Inovação é algo marcado por algum grau de incerteza, é alguma coisa nova marcada por algum grau de incerteza. Às vezes, eu escuto declarações de pessoas mais contundentes, dizendo que a inovação precisa emitir nota fiscal, mexer no ponteiro de vendas. Eu concordo parcialmente. É verdade, toda boa inovação tem que, de alguma forma, mexer no ponteiro de vendas. Mas, muitas vezes, uma boa inovação não mexe no ponteiro de vendas, mexe no ponteiro da marca, da qualidade, do processo. E não necessariamente o ponteiro de vendas vai girar na semana que vem, mas ele vai girar ao longo do tempo.

Atitude. E pode ser que não gire?
RB. Sim.

Atitude. Então inovação não tem resultado garantido?
RB. Como diria Carlos Drummond de Andrade: “Entre a raiz e o fruto, há o tempo”. Vou dar um exemplo. A Tecnisa aceita bitcoins na venda de apartamentos desde 2014. Entre 2014 e 2017, nós não vendemos um único apartamento com bitcoins. De 2017 para 2018, vendemos muito, em virtude da paralisação. Agora, 2019, nós começamos o ano bem, depois, teve uma desvalorização, reduziu o número de vendas. Nós ficamos três anos sem vender nada, mas o que a empresa conseguiu de exposição de mídia, de comentários em redes sociais. A Tecnisa foi reconhecida como a primeira construtora do mundo a aceitar criptomoedas, mexeu o ponteiro de vendas? Nada, absolutamente nada. Mas ajudou muito na construção da marca, várias empresas nos procuraram, a mídia nos procurou bastante, nós conseguimos melhorar muito nosso posicionamento nos principais sites de busca do mundo digital. Eu tive um ganho indireto, mas não consegui mensurar em termos de vendas. Depois de três anos, conseguimos mensurar as vendas por meio de bitcoins. Por isso, eu discordo um pouco quando se fala que a inovação tem que ser 100% vendas. Sim, ela tem que ajudar, mexer no ponteiro, mas ela mexe em outros ponteiros. Uma questão que vai se intensificar muito no Brasil é a ausência de mão de obra qualificada. E esse vai ser o maior caos que nós teremos aqui e, particularmente, eu torço esse caos se instalar. Nós teremos um problema seríssimo daqui para frente, e eu vi esse boom acontecer entre 2006 e 2013. Vocês se recordam quando nós chegamos a ter 4% de taxa de desemprego? Era pleno emprego. E o que acontecia? Não tem tu, vai tu mesmo. Só que agora, nessa nova onda, que vamos entrar, acredito, a partir de 2020, nós vamos ter anos muito bons no Brasil, inclusive, não tem mais essa “Não tem tu, vai tu mesmo”, as coisas estão muito mais complexas. Até 2003, eu contratava analista de marketing. Hoje, na minha equipe, não tem mais analistas de marketing. Foi o que falei para vocês, eu tenho profissões novas: o nutritor, o growth hacker, o cientista de dados, o agile marketing, o conteudista, o gestor de redes sociais, o CX, o customer experience. E esses profissionais não são formados pelas escolas tradicionais. Nós vamos ter um problema seríssimo para dar vazão a essa quantidade de pessoas que o Brasil precisa para dar tração. Lembrando que, no Brasil, o problema não é o desemprego, é o desempregado. Tem aí um descasamento de competências muito forte em relação ao que o mercado precisa, e as escolas têm dificuldade para fornecer esses profissionais de que o mercado necessita. No Brasil, não tem curso de CX, não tem curso de growth hacker, nas faculdades tradicionais. Esse pessoal é autodidata e está se desenvolvendo de forma autônoma. Nós enfrentaremos anos bastante complexos para contratar pessoas. Eu vejo uma mudança que vem acontecendo no mercado: As escolas viraram empresas e as empresas viraram escolas.

Atitude. Explica o que você chama de ser rigoroso ou flexível com a cultura.
RB. Uma empresa estabelecida, que dá satisfação para o mercado acionário, muitas vezes, esquece a cultura e só pensa em “show me the money”, resultado, resultado. “Temos que entregar resultado”. E não dá o devido valor para a cultura, porque, às vezes, não compreende o quanto a cultura é importante para o crescimento contínuo da companhia. A base do início das empresas na nova economia é uma cultura forte. E elas sabem que, se essa cultura se desintegrar, elas não vão conseguir avançar e manter a perpetuidade mínima do negócio. Por isso, essas empresas são extremamente inflexíveis com a cultura. Se for necessário fazer alguma coisa que comprometa a cultura da empresa, elas preferem passar o constrangimento de não entregar resultados, de justificar a não entrega de resultados. Mas elas não comprometem a cultura da empresa, porque entendem que a cultura é o que vai dar perpetuidade ao negócio. E como são empresas com executivos mais jovens, que já nascem com um propósito bem resolvido, elas sabem que vão perder muita gente se não forem rigorosos com a cultura. Eu sou da geração do “Show me the money”, resultado, resultado, sem muita preocupação com cultura, com propósito. Os meus alunos e os executivos que trabalham comigo, que são mais jovens, são da geração do “Show me the meaning”. Se não tiver meaning [significado], a companhia não recebe o talento deles. O segredo é você conciliar o “Show me the money” com o “Show me the meaning”, o que, na minha opinião, as empresas da nova economia fazem muito bem. Mas, na dúvida, primeiro, o meaning, depois, o money. Todas as empresas da velha economia estão entendendo a importância do propósito. Mas não adianta pintar um cavalo de zebra, ele vai continuar sendo cavalo. Você precisa de tempo para as pessoas mudarem. Nessas empresas, o “Show me the money” prevalece, é “Show me the money” all the time. O meaning vem em segunda instância. A Tecnisa é uma empresa com um propósito bastante firme, mas eu crio propósito com a minha equipe também. Eu crio o meaning com a minha equipe, que tem suas peculiaridades e eu preciso customizar.

Atitude. É uma construção colaborativa.
RB. Uma construção colaborativa. Vou dar um exemplo. Uma vez por mês, o Dácio, meu cientista de dados, fala para mim: “Busarello, tenho que sair mais cedo hoje”. Eu falo: “Dácio, por quê?”. E ele responde: “Fritei, não consigo mais fazer cenários análogos, não consigo mais fazer sinapse, não consigo mais fazer correlações”. E o que eu falo para ele? “Dácio, vai para casa, vai embora, se não quiser vir amanhã, venha na quarta, na quinta, sem problemas”. Por quê? Hora útil é mais importante do que hora extra. Eu não estou preocupado com a hora extra dele, estou preocupado com a hora útil. E eu tenho certeza de que ele vai me entregar o resultado, ele tem a entrega, ele vai trabalhar em casa, ele vai trabalhar no fim de semana, do jeito dele. Ele falou: “Eu não aguento mais ficar na empresa hoje, eu estou exaurido, estou extenuado, eu preciso dar um relaxada”. Eu falo: “Volta na terça, na quarta. E ele volta na segunda com todas as entregas que ele precisava fazer. Isso é você criar meaning para ele. Eu tenho um executivo que trabalha comigo há um bom tempo, que é o Gustavo, a Marcela também teve o privilégio de ter aula com ele.

Atitude. Uhum.
RB. Ele adora dar aula. E tem dias que ele fala: “Busarello, vou sair às 16h”. Eu falo: “Gustavo, vai dar sua aula”. Porque, para ele, dar aula é muito importante, faz parte das crenças, é uma coisa que lhe dá muito prazer, ele se sente motivado. E eu falo: “Vai dar sua aula”. Às vezes, ele fala: “Busarello, hoje vou dar aula à tarde toda”. Eu falo: “Vai dar sua aula, sem problema”. Existe alguma dúvida de que ele vai me entregar? Ele vai entregar, eu não preciso controlar a hora extra dele, eu preciso controlar a entrega, a hora útil. Eu tenho uma executiva que trabalha comigo, ela é muito interessante. Ela fez pós-graduação na ESPM, trabalhou na Editora Abril, é uma superexecutiva, e é doula, resolveu ser doula. Teve um chamamento e foi ser doula. Ela continua prestando serviços para nós, só que de uma outra forma, como freela, de casa. Vem à empresa uma vez por semana, duas vezes por semana, dá algumas horas de expediente, mas a atividade principal dela é ser doula. E o significado dela é esse. Ela quer ser doula e já faz uma média de dois partos por semana, está feliz da vida e continua conosco, fazendo trabalhos de forma paralela. Isso é criar meaning. E quando você tem uma atitude como essa, toda a equipe vê que existe uma preocupação em customizar a necessidade de cada um do time. A empresa talvez não consiga, mas eu, como gestor, preciso saber a necessidade da minha equipe, moldá-la e atender às suas necessidades, se eu quiser ficar com os talentos. Porque “tá lento” tem de monte. Um talento que seja rápido é difícil e será cada dia mais difícil, porque vai ter uma briga intensa por talentos no Brasil. Eu torço, porque, para quem se preparou, para o executivo preparado, que tem as competências que o mercado solicita, é o melhor dos mundos. O mercado vai atrás dos bons executivos que se prepararam. Por outro lado, o governo vai precisar atuar para preparar todo esse pessoal que está fora do mercado de trabalho. Eu acho que as empresas também já estão atuando de forma autônoma. Pois a questão não é o desemprego, é o desempregado. Para quem tem as competências, o mercado está contratando. Quando entrei na Tecnisa eu vinha da Polaroid e contratei um fotógrafo para fazer fotos conosco. E ele fazia as nossas fotos, fazíamos muitas fotos de empreendimento. Depois de dois anos, eu falei: “Você vai ter que migrar para o digital, porque eu não quero mais foto de papel”. E o garoto, na época era um garoto, hoje não é mais, passaram-se 18 anos, fez um curso de fotografia digital, comprou uma câmera digital e se adaptou aos novos tempos. Depois, eu falei para ele: “Agora, você vai ter que aprender Photoshop, eu preciso fazer mudanças nas fotos, preciso de fotos mais trabalhadas”. Ele fez o curso de Photoshop. E, agora, boa parte das fotos que eu faço é com drone, faço filmagem com drone; ele fez um curso para pilotar drone e faz foto e filme com drone.

Atitude. E é o mesmo fotógrafo que continua trabalhando com você?
RB. É o mesmo fotógrafo.

Atitude. Ele não ficou desempregado?
RB. Não ficou desempregado. Ele entendeu nossas necessidades e falou: “Não, eu vou atrás”. Era para mudar para o digital, ele mudou para o digital. Era para aprender Photoshop, ele aprendeu Photoshop. Hoje, ele sabe pilotar drone. É um fotógrafo de 54 anos, que não destacou competências, mas foi atrás do que o mercado precisava, se atualizou, fez um reskilling e, hoje, trabalha conosco e para outras empresas, porque ele domina todas essas técnicas. Algumas pessoas não conseguiram sair da foto de papel, ficaram na nostalgia da foto de papel. Nada errado, mas, certamente, o mercado fica mais compactado para esse tipo de profissional.