Daniel Lavouras, um empreendedor na sala de aula

Daniel Lavouras com os alunos do Colégio Elite
Mesa de operações do Banco Marka, em 95: o primeiro trabalho de Daniel Lavouras foi longe das salas de aula

O gaúcho Daniel Lavouras, de 48 anos, trocou uma carreira corporativa tradicional em ascensão por uma aventura arriscada em um universo novo: a educação. O encontro do que se tornou mais do que um trabalho, mas um propósito de vida, permitiu que ele promovesse uma transformação na perspectiva de vida de muitos alunos. Formado em 1994 pelo ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica), começou sua vida profissional no mercado financeiro. Era operador no Banco Marka, um início promissor para jovens ambiciosos, mas não se identificava com a função nem estava disposto a trabalhar em algo que não o realizava. Foi quando aceitou uma proposta da Procter & Gamble (hoje P&G) para trabalhar em uma fábrica da Phebo, em Belém do Pará. Outra oportunidade atraente para profissionais com diploma de uma faculdade de elite em começo de carreira. O engenheiro com então 24 anos gostou da nova posição, mas não conhecia ninguém na cidade e sentia-se entediado à noite por não saber o que fazer no tempo livre. A solução para acabar com o ócio veio depois de uma conversa com um amigo, e não foi nenhum hobby óbvio. Os dois decidiram dar aulas particulares gratuitas à noite.

Mandaram imprimir alguns panfletos, distribuíram pela cidade, espalharam 20 cadeiras em um cômodo do apartamento e ficaram à espera dos alunos. E não é que eles apareceram? Para surpresa dos dois, no primeiro dia a sala lotou de rostos curiosos querendo entender por que alguém ofereceria aulas de graça. No início, os rostos sempre mudavam frequentemente, mas com o tempo Daniel percebeu que alguns começaram a se repetir. Decidiu perguntar o porquê de estarem ali. Descobriu que sonhavam alto. Queriam cursar grandes universidades, como USP, Unicamp e ITA. Eram excelentes motivos, concluiu.

Entusiasmado com a vontade de aprender dos estudantes, Daniel definiu um plano de aula para o grupo e passou a dedicar-se ao ingresso deles na universidade. Deu certo. No final do ano, aquela pequena turma conseguiu entrar na faculdade dos sonhos. No ano seguinte, Daniel aprovou 18 alunos no vestibular do ITA, considerado um dos mais difíceis do Brasil. A notícia logo se espalhou pela cidade e fez o número de alunos aumentar. Tanto que dois anos depois, com apenas 27 anos, o engenheiro abriu sua primeira escola e dividia seu tempo entre a fábrica e a sala de aula. “Nunca tinha imaginado que seria professor”, diz ele. “Minha letra é feia e sempre achei que um pré-requisito para ser professor era ter uma boa caligrafia. Mas entendi que a principal necessidade dos alunos é ter alguém que acredite em sua capacidade e os incentive a conquistar seus objetivos”.

Quando ensinar virou profissão

Em 2004, a marca Phebo foi vendida para a Granado e, por causa disso, a fábrica em Belém foi fechada. A multinacional americana propôs que Daniel assumisse uma posição na indústria de fraldas da Pampers, outra marca do grupo, nos Estados Unidos. Mas já encantado pelo prazer de ensinar, ele optou por deixar a vida corporativa e dedicar-se integralmente às salas de aula. 

Não foi um começo fácil. A realidade socioeconômica de Belém era difícil e a desigualdade social considerável. De acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o índice de pobreza na capital paraense em 2003 era de 40,60% – quase metade da população. O professor recorda que chegou a dar aulas no escuro, porque a luz acabava com tanta frequência que não tinha como interromper o curso toda vez que isso acontecia.

Uma das característica mais marcantes de sua escola era a diversidade entre os alunos. Em função do alto índice de aprovação nos mais difíceis vestibulares, a escola costumava ser procurada pelas famílias de classe social alta. Mas Daniel fazia questão de sempre reservar vagas para alunos bolsistas. “Ao mesmo tempo que tinha o pai que deixava o filho na escola com um carro importado, tinha o aluno que perdia a família inteira para a criminalidade”. Quando algum estudante deixava de ir para a escola, Daniel ia até sua casa tentar trazê-lo de volta, mas lembra que não era incomum os jovens desistirem das aulas.

Além da desistência, o desinteresse é outro obstáculo constante na escola. A maior parte dos estudantes pensa em tirar nota nas avaliações para passar de ano. Dificilmente alguém faz trabalhos extracurriculares, que não contam ponto no boletim. É nessa hora que entra a importância do ambiente escolar saudável, que envolve uma boa relação entre o professor e o exemplo que um aluno exerce sobre o outro. Então, Daniel criou uma estratégia para superar o desinteresse: tornar a escola um lugar prazeroso, de onde os jovens não queiram ir embora. “Quando o aluno descobre o prazer de aprender, ele próprio se motiva a estudar mais e mais”, conta Daniel.

Atitude empreendedora pela autoestima dos alunos

Daniel, de camisa ao fundo, com os campeões olímpicos embarcando para a mais uma competição

Uma das formas que Daniel encontrou de estimular o prazer pelo estudo foram as Olimpíadas do Conhecimento. A descoberta deste caminho aconteceu por acaso. Em uma de suas aulas, ele comentou com seus alunos sua intenção de levar a competição para a cidade de Belém, mas se surpreendeu com a incredulidade dos estudantes, que achavam que não seriam capazes de competir com as turmas de grandes capitais, como Rio de Janeiro e São Paulo.

Ao constatar a baixa autoestima de seus alunos, Daniel ficou ainda mais motivado para cumprir a missão. Sabia que sua persistência poderia ser um bom exemplo aos estudantes. À época, só existiam duas olimpíadas no Brasil – a de matemática e a de química –, e o professor decidiu trazer para o país a Olimpíada de Astronomia.

A tarefa foi dura. Envolveu ligações para Moscou, onde acontecia a Olimpíada Internacional de Astronomia, mais de 400 emails para entidades governamentais e de pesquisa, como Ministério da Educação, CNPQ (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de S. Paulo). Não teve retorno. Diante do silêncio, resolveu, ele mesmo, organizar a 1ª Olimpíada Brasileira de Astronomia (OBA).

Daniel em Moscou, na Rússia, com o primeiro time brasileiro na Olimpíada Internacional de Astronomia, em 1998
Daniel (segundo da esquerda para a direita) em Moscou, na Rússia, com o primeiro time brasileiro na Olimpíada Internacional de Astronomia, em 1998

O passo seguinte foi preparar a prova da olimpíada. Sem respaldo de grandes instituições, foi preciso uma dose extra de lábia para convencer os alunos a participarem. “Eu disse a eles que o que precisavam fazer era bem mais simples: apenas participar de uma prova. Minha intenção era fazê-los acreditar que podiam”.

A primeira OBA foi realizada em agosto de 1998. Em outubro do mesmo ano Daniel já viajava com um grupo de cinco alunos vencedores para Moscou. Foi a primeira vez que o Brasil participou da Olimpíada Internacional de Astronomia. Hoje, o evento atrai mais de um milhão de participantes por ano.

A partir deste momento, a relação de Daniel com as olimpíadas do conhecimento foi além. Ele foi um dos responsáveis por levar a Olimpíada Brasileira de Informática (OBI) e a Olimpíada Brasileira de Física (OBF) para o Norte do país. Foi um dos organizadores da primeira Olimpíada Brasileira de Biologia (OBB), em 2005. Representou o Brasil na Olimpíada Internacional de Geografia como observador, em 2008, e criou a Olimpíada Brasileira de Geografia (OBG) em 2015.

Daniel continua sendo um dos maiores incentivadores das olimpíadas do conhecimento, mas não deixa de lado a preocupação com a qualidade do ensino e do ambiente escolar. Hoje é presidente do Sistema Elite de Ensino, que já tem 40 unidades espalhadas pelo Brasil. A rede de escolas é reconhecida pelo seu método não convencional de ensinar, pois alia conteúdo ao desenvolvimento de soft skills, como capacidade de comunicação, liderança e trabalho em equipe. “O mundo, infelizmente é competitivo e o papel da escola é fazer sua parte para que seus alunos possam conquistar tudo o que desejarem. Se o aluno quer ir para a Harvard, a escola tem de que dar essa condição”, diz.

Este olhar otimista para a educação fez Daniel participar da fundação do Instituto Vertere, em 2018, com o empreendedor Gustavo Wigman. A missão da entidade é apoiar os professores e desenvolver ferramentas para melhorar o processo de aprendizagem, entre elas, as Olimpíadas do Conhecimento. Hoje o instituto organiza competições como a Sapientia, a Olimpíada Brasileira de Linguística, a Obecon (Olimpíada Brasileira de Economia) e a Vitalis (Olimpíada Brasileira de Medicina).

O papel do professor

Daniel Lavouras com os alunos do Colégio Elite
Daniel Lavouras com os alunos do Colégio Elite

Para que a escola consiga cumprir o seu papel, ela depende do professor, acredita Daniel. É ele que, na sala de aula, vai influenciar o aluno. Professores desmotivados e descontentes dificilmente conseguirão despertar a paixão do aluno pelos estudos. “O professor não entrar na sala motivado, passa para o jovem, mesmo que inconscientemente, a impressão de que não acredita em seu potencial. Por isso, o exemplo vindo de professor para aluno é extremamente importante para o desenvolvimento dos alunos”, afirma.

O círculo virtuoso se completa quando a escola oferece um ambiente saudável de convivência. O que se vê com frequência nas escolas é uma inversão de valores, com alunos que desrespeitam o professor sendo admirados pelos colegas, e os estudiosos sendo menosprezados e rotulados como “CDFs”. As olimpíadas de conhecimento podem também ser um caminho para resolver essa questão. Quando o aluno estudioso vai com tudo pago para Moscou porque foi bem em uma olimpíada, ele serve de exemplo e estimula os colegas a estudarem com afinco não só a tirar nota para passar, mas para terem novas e intensas experiências de vida. “Se os alunos medianos se espelharem nos campeões olímpicos e conseguirem ser 1% melhores, já será um ganho. Se todo mundo ficar 1% impactado por uma história boa, já conquistamos alguma coisa relevante”.

Por Gabriella Lopes