Como as health techs humanizam a medicina

Não há dúvida de que a telemedicina avançou algumas casas durante a pandemia provocada pelo coronavírus. Atender pacientes à distância não era uma realidade no Brasil. Pelo contrário, era um tema polêmico no setor de saúde. A prática sofria resistência por parte de alguns profissionais, que alegavam que a tecnologia iria desumanizar a medicina.

Porém, com a necessidade do distanciamento social, o Ministério da Saúde autorizou o uso da telemedicina enquanto durar a pandemia. E o que se viu foram muitos médicos aderindo ao modelo e muitos pacientes preferirem o atendimento à distância do que correr o risco de se deslocar até um consultório médico.

Alguns especialistas afirmam que mais do que tendência, a digitalização no setor de saúde é uma necessidade. Não por acaso, cada vez mais vemos surgir health techs, as startups com o propósito de tornar mais eficiente os procedimentos médicos. São empresas criando inteligência para diminuir a burocracia, os custos, os exames, as cirurgias e as internações desnecessárias, e aumentar a agilidade no diagnóstico, a precisão no tratamento e a prevenção de doenças, principalmente as crônicas. 

Mariana Perroni
Mariana Perroni

A médica intensivista Mariana Perroni, referência nacional em inovação da saúde e uma das entrevistadas do podcast Atitude Empreendedora, não concorda que o uso intenso da tecnologia possa desumanizar o tratamento. Em sua opinião, a medicina já está desumanizada. Uma vez que o paciente não é visto como único, ele não recebe tratamento adequado de acordo com o seu histórico clínico, mas de acordo com o que pode funcionar para a maioria.

“O nosso cérebro não dá conta de processar todos os dados que precisamos na hora de definir um tratamento para uma pessoa. A tecnologia nos ajuda nesta tarefa e permite fornecer um tratamento mais humano”. 

Mariana Perroni – médica intensivista

Para ela, tanto o médico quanto o paciente precisam entender a saúde não apenas como algo ocasional, mas como uma jornada, que vai desde a prevenção até o pós-tratamento. Nesse sentido, a tecnologia é primordial. Com este conselho em mente, pedimos à Mariana que nos ajudasse a detalhar esta jornada. Definidas as etapas, identificamos o problema de cada uma e fomos em busca de startups que criaram soluções tecnológicas para melhorar o atendimento. O resultado da nossa busca você confere aqui.

A jornada do paciente | Arte: Larissa Mazzoni

BUROCRACIA

A burocracia é um problema que permeia toda a jornada do paciente, por isso a colocamos no centro de tudo. A era digital não foi capaz de reduzir a quantidade de burocracia que os médicos precisam lidar até hoje. Uma pesquisa publicada no Annals of Internal Medicine mostra que quase metade do dia de trabalho de um médico é dedicado a burocracia e apenas 27% ao paciente. 

Startup que trabalha em busca da solução: A iClinic foi fundada em 2012 pelos sócios Rafael Bouchabki, Felipe Lourenço e Leonardo Berdu. Com foco em aumentar a produtividade de clínicas e consultórios, a startup oferece um software de gerenciamento que organiza agendas médicas, faz o controle financeiro e comunicação com o paciente. Além disso, 10% dos atendimentos são feitos via telemedicina e duram, em média, 30 minutos.

PREVENÇÃO DE DOENÇAS

Hoje, o paciente só vai ao médico quando já está doente. Por exemplo, em vez de a medicina agir para evitar um AVC, ela atua somente depois que acontece, tratando apenas suas consequências. Mesmo com a explosão de doenças crônicas (diabetes, hipertensão, distúrbios do colesterol), que podem ser evitadas com hábitos mais saudáveis, a medicina continua passiva quando se trata de prevenção. Uma pesquisa do Google revelou que, no Brasil, 26% da população utiliza a internet para buscar informações de saúde antes mesmo de irem ao médico. 

Startup que trabalha em busca da solução: A Klivo foi fundada pelo engenheiro de software Marcelo Toledo em 2019. Nasceu com o propósito de simplificar a saúde, ajudando as pessoas a serem mais saudáveis, em vez de apenas tratar doenças. A empresa oferece suporte para as pessoas lidarem com as próprias enfermidades, oferecendo um plano de cuidado personalizado através de um aplicativo e até aconselhamento por telefone com uma equipe multidisciplinar.

CONSULTA

Os atendimento nos consultórios são baseados em evidências não representativas. Os médicos ainda tratam os pacientes com base em protocolos que funcionam para a maioria e não da forma ideal para cada um. Segundo Mariana Perroni, o que se denomina “maioria” corresponde a 1% a 2% da população mundial e são principalmente homens, brancos, jovens e norte-americanos  – o que torna difícil atingir a necessidade de cada paciente que não se encaixa a esse perfil. O problema é que fica impossível para um ser humano acessar todos os dados do paciente durante uma consulta. Para se ter uma ideia, uma pessoa saudável gera, ao longo de sua vida, um histórico (passagens por hospitais, resultados de exames laboratoriais, exames de imagem, sequenciamento genômico) que equivale a 300 milhões de livros; já um paciente com câncer chega a gerar um terabyte de dados por dia.

Startup que trabalha em busca da solução: A HealthCentriX, fundada em 2017 pelo empreendedor Fábio Boihagian, nasceu com o propósito de agilizar o acesso das instituições de saúde ao histórico do paciente. A startup utiliza inteligência artificial para unificar todas as informações, possibilitando às operadoras de saúde uma visão total da jornada do paciente. O objetivo é reduzir gastos com exames, internações e cirurgias desnecessários. 

DIAGNÓSTICO

Falta de informação ao paciente é outro problema do setor de saúde. Hoje, ele não está no centro do cuidado, fica totalmente passivo em relação aos seus problemas de saúde. Ao receber o diagnóstico, tem dificuldade de obter informações de qualidade. Além disso, é comum casos de pacientes que recebem resultados diferentes de cada médico.

Startup que trabalha em busca da solução: a Labi Exames, criada em 2017 pelo executivo Marcelo Noll Barboza e pelo médico Octavio Fernandes, oferece exames de alta qualidade de forma descomplicada e por uma preço justo. Para realizar o exame não é necessário um pedido médico, basta ir até uma unidade próxima ou agendar uma coleta domiciliar. O resultado é rápido e didático. Caso dê alguma alteração, o médico responsável do laboratório entra em contato para orientá-lo a procurar um especialista. 

TRATAMENTO

A dificuldade de realizar o tratamento adequadamente, também é um problema complexo da saúde no Brasil. Ao receber um tratamento, muitas vezes o paciente tem dificuldade de segui-lo de forma correta, como tomar remédios na hora certa e mudar alguns hábitos. Após a consulta, ele fica praticamente sozinho, sem auxílio.

Startup que trabalha em busca da solução: a Cuco Health, fundada em 2015 pela empreendedora Lívia Cunha, é um cuidador digital que auxilia os pacientes a seguirem o tratamento quando estão sozinhos, monitorando aspectos da patologia e possibilitando que os profissionais de saúde acompanhem a evolução. A versão gratuita do aplicativo inclui lembretes de horários de medicamento e um chatbot que funciona como uma “enfermeira digital”. Já a versão paga é específica por patologia (atualmente, inclui artrite reumatóide, depressão e ansiedade, hipotireoidismo, hipertensão e obesidade, e alguns tipos de câncer) e oferece dados para médicos e cuidadores.

PÓS-TRATAMENTO

As pessoas ainda têm a percepção de que a saúde acontece somente dentro do consultório ou do hospital. De acordo com Mariana Perroni, o diagnóstico e o tratamento correspondem a 10% dos fatores que influenciam a saúde e o bem-estar, enquanto os hábitos e as condições socioeconômicas delas, que muitas vezes são deixados de lado, correspondem a 90%. 

Startup que trabalha em busca da solução: a SCAL – ITC Vertebral é uma plataforma criada em 2018, por uma equipe do Instituto de Tratamento da Coluna Vertebral (ITC Vertebral). Ela oferece atendimento de fisioterapia à distância. Um paciente com problema na coluna, por exemplo, depois do atendimento no consultório continua sendo acompanhado por um fisioterapeuta à distância, através de uma sala de videoconferência. Dessa forma, as pessoas que dependem disso para manter o seu bem-estar, podem dar continuidade ao tratamento.

Estes são apenas alguns exemplos de empresas que têm desenvolvido tecnologias para melhor a qualidade de vida das pessoas. Há outras muitas health techs desenvolvendo ferramentas para tornar os atendimentos médicos menos burocráticos e, consequentemente mais humano. Vida longa a elas.

Por Vanessa Nagayoshi

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