As experiências reais em plataformas virtuais

Tour de France: pedaladas dentro de casa com a ajuda da tecnologia

Com o adiamento da mais famosa competição de ciclismo do mundo, o Tour de France, de julho para novembro deste ano, os organizadores e atletas se uniram para produzir uma versão virtual da prova. Utilizando a plataforma Zwift, criaram seis circuitos online que todos os participantes deveriam finalizar. No entanto, em vez de irem para a rua, as pedaladas foram dentro de casa com a ajuda da tecnologia. A experiência era virtual, mas o esforço físico, real. Com um equipamento parecido com um cavalete acoplado à bicicleta (normal, não ergométrica), para ela girar sem sair do lugar, a plataforma reproduz ganhos e perdas de elevação e diferentes níveis de dificuldade durante o percurso. Além disso, a Zwift promove a interação entre os usuários, como uma rede social para ciclistas. Os atletas se encontraram no mundo virtual durante três semanas.

Premier League: com os estádios fechados, o campeonato inglês migrou para o FIFA 20

O futebol também encontrou um jeito de levar suas partidas no gramado para o online. Com os jogos de futebol suspensas e os jogadores longe dos gramados, a Premier League – liga profissional de futebol da Inglaterra – promoveu o ePremier League Invitation. No torneio, um jogador de cada clube da liga inglesa competia virtualmente no FIFA 20. O prêmio final foi doado para o Serviço Nacional de Saúde da Inglaterra.

Estes são só dois exemplos do protagonismo dos jogos online na adaptação de muita gente ao isolamento social. Segundo a Newzoo, empresa que acompanha o crescimento dos eSports, o mercado global do setor deve movimentar US 1,1 bilhão em 2020, 15,7% acima do resultado de 2019. Estima-se que 495 milhões de pessoas joguem online hoje.

Os games serviram não só ao entretenimento, mas também ao ambiente profissional. A escritora alemã Viviane Schwarz publicou, em seu Twitter, que ela e sua equipe estavam cansados de fazer reuniões no Zoom e decidiram experimentar o jogo Red Dead Redemption. A mobilidade e o mapa aberto do game permite aos jogadores escolher lugares inusitados para se reunirem. “É bom sentar em volta de uma fogueira e discutir os projetos”, comentou Viviane. 

Campus da UFBA recriado no Minecraft: obra dos próprios alunos

Algo parecido aconteceu na Universidade Federal da Bahia (UFBA). Com a suspensão das aulas, alguns estudantes idealizaram projetos inusitados para passar o tempo livre. Após se inspirar no fórum da Reddit (uma rede social de comunidades que discutem conteúdos da internet), Mateus Miguel, estudante de Ciência e Tecnologia da UFBA, começou a recriar todo o campus da universidade no Minecraft. Mesmo se baseando em imagens do Google Maps, Google Earth, revistas e publicações compartilhadas em redes sociais, o estudante disse, em entrevista ao Atitude Empreendedora, que a maior dificuldade foi a falta de recursos visuais do jogo para deixar os prédios similares aos reais.

Juntaram-se a ele outros 16 participantes para concluir o projeto, e o campus virtual foi aberto no dia 24 de agosto. A partir de então, todos os jogadores interagiram com os colegas, sentindo novamente o gostinho de estar na universidade. “A repercussão foi ótima. Logo no início da liberação muita gente entrou. A ideia é manter o servidor aberto nos inícios de semestres para que os calouros acessem e se percam menos quando chegarem lá”, afirma Bernardo Berlim, um dos alunos que participou da criação. 

Enquanto a vida normal está em pause mundo afora, novas formas de se divertir e conviver ampliam as possibilidades que – por que não? – podem perdurar além da pandemia.

Por Bruna Galati e Gabriella Lopes

Quero ser Amazon! A estratégia de varejistas para crescer no digital

Em 2020, pelo terceiro ano consecutivo, a Amazon está em primeiro no ranking das 500 marcas mais valiosas do mundo, avaliada em US$ 220,7 bilhões. A história da empresa começa em 1994, quando Jeff Bezos, com 30 anos, deixou uma carreira promissora no mercado financeiro, com uma ideia de montar uma livraria virtual. Foi desencorajado por muitos que não acreditavam no potencial da internet. 

Confiante na sua aposta, Bezos colocou a Amazon no ar em julho de 1995. Em um ano, eram vendidos 100 livros por hora. Anos depois, transformou a empresa no primeiro grande marketplace do mundo. A companhia virou um intermediário entre o varejo e o consumidor, criando um ecossistema que auxilia a compra do cliente e facilita a vida de pequenas empresas que querem vender seus produtos e atingir mais consumidores. Virou um exemplo para companhias de todo mundo, inclusive as do Brasil. 

Segundo Daniel Castello, consultor e palestrante em Estratégia e Transformação Digital, vamos assistir cada vez mais as empresas que já atuam no comércio eletrônico comprarem outras para fazer crescer sua área de atuação. A intenção maior é acrescentar novos serviços de cobrança, entrega ou mesmo de conteúdo para criar uma experiência mágica para os clientes, sejam eles os lojistas que plugam sua loja nos marketplaces ou o consumidor final que fez uma compra online. “O que estamos assistindo nesse momento é a formação de ecossistemas. Estamos vendo a reconfiguração do mercado on-line/off-line, físico e virtual a partir de plataformas digitais”, diz Castello.

O Atitude Empreendedora analisou os passos (leia-se aquisições) mais recentes de algumas das principais varejistas atuantes no Brasil. Magalu, Mercado Livre, B2W e Via Varejo têm disputado clique a clique os consumidores para seus produtos. Estão todas cientes de que este é o caminho para garantir o crescimento. O benchmark: a Amazon.

Magazine Luiza e suas aquisições ao longo do ano 

Magalu: investimento em empresas de software para aumentar atuação

No começo do ano, o Magazine Luiza comprou a Estante Virtual, por R$ 31,1 milhões. O movimento era esperado desde o final do ano passado. A compra faz parte do plano da empresa de oferecer uma maior diversidade de categorias em seus canais de venda, indo além de eletrônicos e eletrodomésticos e, é claro, para competir com a Amazon. Mas ela não parou nessa aquisição. Em julho, anunciou a compra da startup Hubsales, que opera um modelo de venda de serviços, como logística, entrega e estocagem, para a indústria de confecções e calçados de Franca, no interior de São Paulo. Com isso, o Magalu vai usar os conhecimentos da startup para repetir seu modelo em outros polos fabris.

Para virar um ótimo marketplace e passar a ilusão de que o consumidor está apenas em uma grande loja, como acontece na Amazon, a empresa precisa ter capacidade em todas as áreas. Logística, faturamento, sequenciamento, marketing, venda, precificação e cadastro dos fornecedores precisam estar em constante desenvolvimento. Comprando a Canaltech e a Inloco Mídia, o Magalu turbinou seu marketing digital e o chamou de MagaluAds.

Uma das vantagens da compra do Canaltech é que se trata de uma plataforma multimídia – que atinge mensalmente 24 milhões de visitantes – com foco na produção de conteúdo de tecnologia e resenhas de produtos. Agora, no final da análise tecnológica terá a oferta do aparelho, o que possivelmente levará o leitor para o marketplace do Magalu. 

A plataforma Inloco Media é a divisão da empresa Inloco focada na comercialização de publicidade digital. Com essa aquisição a empresa vai acelerar o crescimento do MagaluAds, compondo o time com 12 desenvolvedores e especialistas que atuavam nessa divisão na Inloco. 

Na sua quinta aquisição do ano, o Magalu investiu no avanço da área de cadastros dos fornecedores, com a compra da startup Stoq. O objetivo principal é oferecer ferramentas que ajudem na digitalização das pequenas e médias lojas físicas que integram o marketplace do Magazine Luiza, possibilitando que eles aceitem em suas lojas pagamentos com o Magalu Play, carteira digital da empresa. 

A compra mais recente da varejista foi o AiQFome, aplicativo de delivery de comida. Essa aquisição veio do interesse do Magalu em expandir seu ecossistema e aumentar a frequência da plataforma. A empresa adquirida possui uma estratégia de expansão inovadora e focou seu crescimento em cidades pequenas e médias no interior do país, onde a varejista já é forte no mundo de tijolo e cimento. 

Mercado Livre capricha na entrega 

Mercado Livre: logística própria para garantir entrega no prazo

Outro ponto exemplar da cultura da Amazon é a rápida capacidade de entrega do produto para ver os seus clientes cada vez mais fiéis, e o Mercado Livre vem seguindo os mesmos passos. Em agosto, a empresa argentina de comércio eletrônico tornou-se a mais valiosa da América Latina com ações em Bolsa, ultrapassando a Petrobras. Um dos motivos para a alta valorização foi o seu avanço na área da logística, em meio ao crescimento do e-commerce durante a pandemia de coronavírus. 

O Mercado Livre possui dois centros de distribuição no estado de São Paulo e começou a operar seu terceiro na Bahia. Outro, na região Sul, deve ser inaugurado ainda neste ano. Investiu também na contratação de 60 carretas, para ajudar nas entregas de encomendas. Tudo pensado para que seus consumidores recebam suas encomendas com agilidade, transmitindo confiabilidade e zelo com as entregas. O Mercado Envios Flex promete envio no mesmo dia, sem depender dos Correios.

No início de setembro, o Mercado Livre deu mais um passo em direção à entrega ágil. Anunciou sua entrada como sócio estratégico da empresa de logística Kangu, startup que já tinha o Mercado Livre como parceiro e cliente desde 2019. A Kangu atua como ponte entre pequenos comerciantes e consumidores que vivem na mesma região, reduzindo distâncias, trazendo mais agilidade às entregas e comodidade aos usuários. Seleciona e habilita lojistas de bairro, que tenham interesse em se tornar pontos de coleta e de entrega da rede de parceiros. O Mercado Livre vai orientar a startup sobre o melhor destino e quantidade ideal para cada local.

Estes pontos agora são alternativa para vendedores do Mercado Livre deixarem alguns produtos para facilitar o trabalho das empresas de transporte, que encaminham os itens para o destino final. Servirão também para os compradores que precisarem de um local para receber o produto fora de casa. 

No balanço do segundo trimestre deste ano, com o isolamento social imposto pela pandemia do coronavírus, as vendas do Mercado Livre saltaram 123,4%, comparado com o mesmo intervalo de 2019, totalizando US$ 878,4 milhões. Entre abril e julho a empresa somou 17 milhões de novos usuários e completou 3,3 milhões de transações diárias por meio do Mercado Pago. 

B2W aposta em descontos de olho na Black Friday 

Isenção de taxas para atrair mais lojistas

Assim como a Amazon, a B2W quer chamar a atenção das empresas para fazerem parte de seu marketplace. Entre abril e junho, cadastrou mais de 45 mil lojistas na plataforma, aumentando o sortimento dos sites em 226% na comparação com o mesmo período em 2019, totalizando quase 40 milhões de itens distribuídos por mais de 40 categorias. Para manter esse crescimento, anunciou novos serviços e isenções em cobranças dos lojistas nos próximos meses. 

A dona do Submarino, Americanas.com e Shoptime divulgou em seu evento B2W Summit que durante a Black Friday isentará de taxas os lojistas usuários de fulfillment, serviço completo que vai da armazenagem nos centros da B2W até a entrega de produtos do lojista ao cliente. A iniciativa deve atrair um número maior de lojas para o marketplace da empresa. 

Mas a isenção só valerá para lojistas que já usam o pacote completo de serviços digitais da B2W, um total de 908. É um número baixo perto da base total de 70 mil de vendedores. A empresa também não vai cobrar a taxa sobre o valor do frete até o final do ano. 

Outra ação da B2W é permitir uma exclusividade para o vendedor dentro do seu marketplace, como se fosse uma loja virtual com a sua própria marca e layout. Antes, ao fazer uma busca no Submarino ou Americanas.com, várias mercadorias de diversos lojistas eram mostradas ao consumidor. Na parte de entregas, a B2W também irá oferecer serviço de entrega próprio para itens acima de 30 quilos e será cobrada um percentual do valor da venda. 

Via Varejo investe em serviços financeiros

Via Varejo: é loja ou banco?

Para se destacar no ambiente de inovação tecnológica e potencializar a inclusão, como faz parte da estratégia da Amazon, a Via Varejo, controladora das Casas Bahia e Pontofrio, adquiriu 100% das ações da banQi, plataforma digital criada pela companhia americana AirFox. 

O aplicativo permite aos usuários o acesso a serviços de depósitos nas lojas das Casas Bahia e Lotéricas, saque nas Casas Bahia, opção de pagar carnês, boletos, contas, fazer transferências e efetuar recargas de celular pelo app. Os serviços são gratuitos aos correntistas do banQi. 

No último trimestre, a empresa teve um volume bruto vendido nas operações de e-commerce de R$ 5,081 bilhões, crescimento de 280%. A Via Varejo pretende chegar a 500 pequenos centros de distribuição (hoje eles contam com 380), para que as entregas sejam mais ágeis e diminuam os custos de frete para os clientes. A empresa é uma forte candidata a liderar a próxima inclusão digital, segundo relatório do Banco Safra enviado a investidores. 

Com todo esse movimento tecnológico do varejo, a disputa pelos clientes será cada vez mais nos bits e bytes. Quem melhor se digitalizar, mais chance terá de vencer.

Por Bruna Galati

Como a indústria de games está jogando na pandemia

O isolamento social decorrente da pandemia nos últimos meses teve seu efeito positivo para a indústria de jogos, que ganhou novos adeptos. Segundo números Comscore, empresa que mede a audiência na internet, o acesso a jogos online saltou 20% quando as medidas de restrição começaram a ser adotadas.

Show do rapper Travis Scott, no Fortnite: audiência de mais de 12 milhões de gamers

Atentas ao movimento, as desenvolvedoras de games realizaram várias ações para aumentar o engajamento. Uma das mais comentadas foi o show que Travis Scott fez dentro do Fortnite, jogo da Epic Games, que chegou a 250 milhões de usuários ativos em maio deste ano. A apresentação do rapper foi assistida por mais de 12 milhões de gamers. Não foi a primeira vez que o jogo abriu espaço para artistas. Em fevereiro de 2019, o DJ Marshmello já havia tocado virtualmente para 10,7 milhões de jogadores.

Animada com o sucesso, a Epic Games resolveu desenvolver uma nova versão do jogo, sem violência e dedicado principalmente a festas. A novidade foi chamada de Party Royale e no lugar de armas, os gamers terão barracas de comida, veículos para brincar de corrida e outros divertimentos. O movimento da desenvolvedora de jogos foi seguido por Scooter Braun, um dos principais empresários da música pop. Ele investiu na startup Wave, especializada em realizar apresentações em ambientes virtuais.

No mundo dos consoles, a Nintendo viu os pedidos pelo seu Switch aumentarem em 43,3% durante a quarentena. O crescimento impulsionou as vendas do jogo Animal Crossing: New Horizons, que foi um dos mais comentados no Twitter durante os meses de isolamento. Logo no seu lançamento, em março, o game ficou em primeiro lugar nas vendas, com 11,77 milhões de cópias vendidas em 12 dias. O sucesso fez o lucro da empresa chegar a 1,4 bilhão de dólares em março, 428% acima do registrado no mesmo mês de 2019.

Animal Crossing: New Horizons, jogo da Nintendo que deixou os vilões de lado e turbinou o lucro da empresa

O game veio com uma nova pegada, sem missões impossíveis para detonar vilões. A premissa é simples: controlar um personagem que se muda para uma ilha cheia de animais falantes e solucionar tarefas. Plantar árvores e decorar o ambiente fazem parte da proposta descomplicada do game, o que serviu como estímulo para a paciência e a criatividade. Muitos jogadores comentam que é um escape da realidade atual, o que traz leveza para a experiência, já que o personagem nunca morre, evitando frustrações, o se tornou uma terapia para os jogadores.

Os jogos foram uma forma de se conectar com amigos e família durante a quarenta. A demanda por games mobile multijogadores aumentou significativamente. Foram 1,2 milhão de downloads somente na segunda quinzena de março, um aumento de 30% em relação às semanas anteriores. Words With Friends 2 foi o jogo multiplayer mais baixado nos Estados Unidos e Inglaterra, segundo a IInterativa. O game, disponível de graça para celulares Android e iOS, é um simples jogo de palavras, feito para competir com outras pessoas, mas que parece saciar a necessidade de se relacionar e divertir ao mesmo tempo, durante o confinamento.

Do ponto de vista econômico, os ganhos dos jogos têm sido superlativos. A previsão da consultoria Newzoo, especializada em games, é de que a receita com jogos chegue a 159 bilhões de dólares em 2020, um aumento de 9,3% em relação ao ano passado. No Brasil, este crescimento pode significar também mais uma forma de impulsionar startups. Do total de 375 empresas do ramo, 96,8% são pequenas e médias empresas que não faturam mais do que 3,6 milhões de reais, constata o II Censo da Indústria Brasileira de Jogos Digitais de 2018, realizado pela consultoria Homo Ludens.

Nem todas as empresas se valeram deste momento para crescer. Alguns jogos que estavam previstos para 2020, foram cancelados. O principal deles foi Cyberpunk 2077. Anunciado em 2012, o jogo deveria ter sido lançado em abril deste ano, mas foi adiado para setembro e, em seguida, para 19 de novembro. Depois de 8 anos produzindo o game, os desenvolvedores principais, Marcin Iwiński e Adam Badowski, declararam no Twitter que lamentam a decisão, mas pedem compreensão aos fãs.

“Estamos totalmente cientes de que tomar essa decisão custa-nos sua confiança e trocar essa confiança por mais tempo é uma das decisões mais difíceis que um desenvolvedor de jogos pode tomar. Apesar de acharmos que é a decisão certa para o jogo, ainda gostaríamos de pedir desculpas por te fazer esperar mais. Nossa intenção é fazer do Cyberpunk 2077 algo que ficará com você por muitos anos. Esperamos que você entenda porque fizemos o que fizemos”

Marcin Iwiński e Adam Badowski

Iwiński e Badowski não são os únicos. Halo Infinite, um jogo aguardado com grande expectativa, estava previsto para ser lançado no final deste ano, mas foi cancelado por tempo indeterminado. A Microsoft, desenvolvedora do game, alega que o jogo será lançado só no ano que vem, mas não está com uma data pré-definida. Resident Evil 3 Remake também atrasou para chegar no mercado europeu, como informou a Capcom em seu Twitter no dia 26 de março.

Embora tenha registrado alguns tropeços, os números mostram que a indústria de games foi positivamente impactada pelo isolamento. Será capaz de manter esse comportamento pós-pandemia? Em breve teremos a reposta.

Por Bruna Galati e Gabriella Lopes

Como as health techs humanizam a medicina

Saúde

Não há dúvida de que a telemedicina avançou algumas casas durante a pandemia provocada pelo coronavírus. Atender pacientes à distância não era uma realidade no Brasil. Pelo contrário, era um tema polêmico no setor de saúde. A prática sofria resistência por parte de alguns profissionais, que alegavam que a tecnologia iria desumanizar a medicina.

Porém, com a necessidade do distanciamento social, o Ministério da Saúde autorizou o uso da telemedicina enquanto durar a pandemia. E o que se viu foram muitos médicos aderindo ao modelo e muitos pacientes preferirem o atendimento à distância do que correr o risco de se deslocar até um consultório médico.

Alguns especialistas afirmam que mais do que tendência, a digitalização no setor de saúde é uma necessidade. Não por acaso, cada vez mais vemos surgir health techs, as startups com o propósito de tornar mais eficiente os procedimentos médicos. São empresas criando inteligência para diminuir a burocracia, os custos, os exames, as cirurgias e as internações desnecessárias, e aumentar a agilidade no diagnóstico, a precisão no tratamento e a prevenção de doenças, principalmente as crônicas. 

Mariana Perroni
Mariana Perroni

A médica intensivista Mariana Perroni, referência nacional em inovação da saúde e uma das entrevistadas do podcast Atitude Empreendedora, não concorda que o uso intenso da tecnologia possa desumanizar o tratamento. Em sua opinião, a medicina já está desumanizada. Uma vez que o paciente não é visto como único, ele não recebe tratamento adequado de acordo com o seu histórico clínico, mas de acordo com o que pode funcionar para a maioria.

“O nosso cérebro não dá conta de processar todos os dados que precisamos na hora de definir um tratamento para uma pessoa. A tecnologia nos ajuda nesta tarefa e permite fornecer um tratamento mais humano”. 

Mariana Perroni – médica intensivista

Para ela, tanto o médico quanto o paciente precisam entender a saúde não apenas como algo ocasional, mas como uma jornada, que vai desde a prevenção até o pós-tratamento. Nesse sentido, a tecnologia é primordial. Com este conselho em mente, pedimos à Mariana que nos ajudasse a detalhar esta jornada. Definidas as etapas, identificamos o problema de cada uma e fomos em busca de startups que criaram soluções tecnológicas para melhorar o atendimento. O resultado da nossa busca você confere aqui.

A jornada do paciente | Arte: Larissa Mazzoni

BUROCRACIA

A burocracia é um problema que permeia toda a jornada do paciente, por isso a colocamos no centro de tudo. A era digital não foi capaz de reduzir a quantidade de burocracia que os médicos precisam lidar até hoje. Uma pesquisa publicada no Annals of Internal Medicine mostra que quase metade do dia de trabalho de um médico é dedicado a burocracia e apenas 27% ao paciente. 

Startup que trabalha em busca da solução: A iClinic foi fundada em 2012 pelos sócios Rafael Bouchabki, Felipe Lourenço e Leonardo Berdu. Com foco em aumentar a produtividade de clínicas e consultórios, a startup oferece um software de gerenciamento que organiza agendas médicas, faz o controle financeiro e comunicação com o paciente. Além disso, 10% dos atendimentos são feitos via telemedicina e duram, em média, 30 minutos.

PREVENÇÃO DE DOENÇAS

Hoje, o paciente só vai ao médico quando já está doente. Por exemplo, em vez de a medicina agir para evitar um AVC, ela atua somente depois que acontece, tratando apenas suas consequências. Mesmo com a explosão de doenças crônicas (diabetes, hipertensão, distúrbios do colesterol), que podem ser evitadas com hábitos mais saudáveis, a medicina continua passiva quando se trata de prevenção. Uma pesquisa do Google revelou que, no Brasil, 26% da população utiliza a internet para buscar informações de saúde antes mesmo de irem ao médico. 

Startup que trabalha em busca da solução: A Klivo foi fundada pelo engenheiro de software Marcelo Toledo em 2019. Nasceu com o propósito de simplificar a saúde, ajudando as pessoas a serem mais saudáveis, em vez de apenas tratar doenças. A empresa oferece suporte para as pessoas lidarem com as próprias enfermidades, oferecendo um plano de cuidado personalizado através de um aplicativo e até aconselhamento por telefone com uma equipe multidisciplinar.

CONSULTA

Os atendimento nos consultórios são baseados em evidências não representativas. Os médicos ainda tratam os pacientes com base em protocolos que funcionam para a maioria e não da forma ideal para cada um. Segundo Mariana Perroni, o que se denomina “maioria” corresponde a 1% a 2% da população mundial e são principalmente homens, brancos, jovens e norte-americanos  – o que torna difícil atingir a necessidade de cada paciente que não se encaixa a esse perfil. O problema é que fica impossível para um ser humano acessar todos os dados do paciente durante uma consulta. Para se ter uma ideia, uma pessoa saudável gera, ao longo de sua vida, um histórico (passagens por hospitais, resultados de exames laboratoriais, exames de imagem, sequenciamento genômico) que equivale a 300 milhões de livros; já um paciente com câncer chega a gerar um terabyte de dados por dia.

Startup que trabalha em busca da solução: A HealthCentriX, fundada em 2017 pelo empreendedor Fábio Boihagian, nasceu com o propósito de agilizar o acesso das instituições de saúde ao histórico do paciente. A startup utiliza inteligência artificial para unificar todas as informações, possibilitando às operadoras de saúde uma visão total da jornada do paciente. O objetivo é reduzir gastos com exames, internações e cirurgias desnecessários. 

DIAGNÓSTICO

Falta de informação ao paciente é outro problema do setor de saúde. Hoje, ele não está no centro do cuidado, fica totalmente passivo em relação aos seus problemas de saúde. Ao receber o diagnóstico, tem dificuldade de obter informações de qualidade. Além disso, é comum casos de pacientes que recebem resultados diferentes de cada médico.

Startup que trabalha em busca da solução: a Labi Exames, criada em 2017 pelo executivo Marcelo Noll Barboza e pelo médico Octavio Fernandes, oferece exames de alta qualidade de forma descomplicada e por uma preço justo. Para realizar o exame não é necessário um pedido médico, basta ir até uma unidade próxima ou agendar uma coleta domiciliar. O resultado é rápido e didático. Caso dê alguma alteração, o médico responsável do laboratório entra em contato para orientá-lo a procurar um especialista. 

TRATAMENTO

A dificuldade de realizar o tratamento adequadamente, também é um problema complexo da saúde no Brasil. Ao receber um tratamento, muitas vezes o paciente tem dificuldade de segui-lo de forma correta, como tomar remédios na hora certa e mudar alguns hábitos. Após a consulta, ele fica praticamente sozinho, sem auxílio.

Startup que trabalha em busca da solução: a Cuco Health, fundada em 2015 pela empreendedora Lívia Cunha, é um cuidador digital que auxilia os pacientes a seguirem o tratamento quando estão sozinhos, monitorando aspectos da patologia e possibilitando que os profissionais de saúde acompanhem a evolução. A versão gratuita do aplicativo inclui lembretes de horários de medicamento e um chatbot que funciona como uma “enfermeira digital”. Já a versão paga é específica por patologia (atualmente, inclui artrite reumatóide, depressão e ansiedade, hipotireoidismo, hipertensão e obesidade, e alguns tipos de câncer) e oferece dados para médicos e cuidadores.

PÓS-TRATAMENTO

As pessoas ainda têm a percepção de que a saúde acontece somente dentro do consultório ou do hospital. De acordo com Mariana Perroni, o diagnóstico e o tratamento correspondem a 10% dos fatores que influenciam a saúde e o bem-estar, enquanto os hábitos e as condições socioeconômicas delas, que muitas vezes são deixados de lado, correspondem a 90%. 

Startup que trabalha em busca da solução: a SCAL – ITC Vertebral é uma plataforma criada em 2018, por uma equipe do Instituto de Tratamento da Coluna Vertebral (ITC Vertebral). Ela oferece atendimento de fisioterapia à distância. Um paciente com problema na coluna, por exemplo, depois do atendimento no consultório continua sendo acompanhado por um fisioterapeuta à distância, através de uma sala de videoconferência. Dessa forma, as pessoas que dependem disso para manter o seu bem-estar, podem dar continuidade ao tratamento.

Estes são apenas alguns exemplos de empresas que têm desenvolvido tecnologias para melhor a qualidade de vida das pessoas. Há outras muitas health techs desenvolvendo ferramentas para tornar os atendimentos médicos menos burocráticos e, consequentemente mais humano. Vida longa a elas.

Por Vanessa Nagayoshi