Quem é você, além do que traz no currículo?

Quando Maria Luiza Carvalho conta sobre sua experiência na última etapa no processo seletivo para entrar na Votorantim Cimentos, suas expressões não parecem de alguém que conversa sobre trabalho. Ela fala sorrindo e arregala os olhos ao reconstituir a cena. No dia, não sabia o que esperar. Aquela era a quarta vez que chegava à final da seleção de uma grande empresa – nas outras três não tinha passado. Atribuía a reprovação ao seu sotaque de João Pessoa, na Paraíba. “Em todos os processos eu me senti um pouco envergonhada, com medo, porque só via gente de São Paulo competindo comigo”, afirma. Quando escutou que havia sido aprovada não conteve as lágrimas e, antes que pudesse se sentir constrangida por isso, se surpreendeu ao ver que os dois gestores à sua frente também estavam chorando. Diziam estar felizes pela entrada dela na empresa. Afinal, não se tratava de apenas uma escolha fora dos padrões. Era um indicador do início de uma mudança de paradigma no ambiente corporativo brasileiro.

Cenas como essa começam a fazer parte de processos seletivos de grandes empresas como Braskem, PepsiCo, Cargill, Votorantim Cimentos e Danone – todas ouvidas para esta reportagem. A principal mudança é não filtrar os candidatos nos programas de trainee e estágio pelo nome da faculdade ou idade, antes pré-requisitos básicos para avançar nas entrevistas de emprego, nem gênero ou etnia, que indiretamente poderiam influenciar o entrevistador. O novo formato é chamado internamente de processo seletivo às cegas.

Trata-se de um movimento iniciado no Brasil há cerca de 5 anos, segundo especialistas de recrutamento. Seu principal motivador é a percepção de empresários e executivos em relação ao perfil do jovens. Diversas pesquisas recentes indicam que, ao buscar emprego, os jovens são atraídos não apenas por salários altos, mas também pelo propósito da empresa – palavra que se tornou corriqueira em discursos corporativos – e pelo significado que a própria pessoa atribui ao trabalho. A nova abordagem nas seleções é, portanto, uma tentativa de ir ao encontro das aspirações das novas gerações. Ao entenderem que precisavam transformar os critérios de escolha, os recrutadores enfrentaram alguns dilemas. Como diversificar o time se existe o viés confirmatório inconsciente, a tendência automática que temos de buscar informações que confirmam nossas impressões iniciais e podem nos levar a decisões injustas? 

Ligia Leonor de Oliveira, gerente de projetos de RH do Grupo Companhia de Talentos, afirma que o primeiro passo das empresas deve ser entender que é necessário trazer a equidade (o que não significa igualdade) para o recrutamento. A diferença entre as duas palavras está no fato de que equidade leva em conta o ponto de partida de cada um, adaptando regras para cada caso específico, na tentativa de garantir justiça. “Algumas empresas podem afirmar que estão fazendo um processo de seleção às cegas, mas mantêm testes convencionais, como o de lógica e o de inglês, para determinar a aprovação ou não de um candidato para a próxima fase”, diz a headhunter e fundadora do blog Carreira Orgânica, Maria Eduarda Silveira. Ao fazer isso, as organizações oferecem igualdade de oportunidades, mas não necessariamente equidade, uma vez que nem todos os concorrentes têm a mesma bagagem educacional.

Um estudo da consultoria estratégia global McKinsey & Company confirma que empresas que adotam a diversidade relatam níveis muito mais altos de inovação e colaboração. Por exemplo, há uma probabilidade 152% maior de os funcionários relatarem que podem propor novas ideias e tentar novas formas de fazer as coisas. Está confirmado que empresas com times diversificados geram bons resultados, mas é necessário que esses novos candidatos, além da diversidade e de suas características únicas, sejam alinhados com a cultura da empresa. 

O que todas as empresas entrevistadas pelo Atitude Empreendedora têm em comum é que estão mudando o processo de trainee ou estágio e não exigem mais que sejam revelados o nome da faculdade e a idade dos candidatos. A Danone dispensa o domínio do inglês, enquanto a Braskem aceita que 40% das vagas sejam preenchidas por quem não fala o idioma. Para a Danone e a Votorantim Cimentos, o curso do candidato na faculdade não é relevante. O que buscam é principalmente aderência ao perfil cultural das empresas. 

Teste na realidade

Na Votorantim Cimentos, uma das oito maiores empresas de materiais de construção do mundo, o ponto de partida para a mudança foi a constatação de que o perfil dos funcionários e candidatos seguia um padrão: a maioria era homem, com uma ideia média de 27 anos e cursando ou formado em Engenharia, o que criava no mercado a imagem de uma empresa masculina e tradicional. A liderança da organização queria atrair profissionais com perfis diversos. Para isso, o primeiro passo foi transformar o processo de trainee. Em vez de buscar currículos, os recrutadores tinham de captar a essência do candidato por meio de suas histórias de vida e o potencial de desenvolvimento que eles teriam dentro da empresa. “Não queríamos ser encarados como mais um processo seleção como qualquer outro. Quem se reconhecesse na cultura da empresa, teria que fazer um esforço adicional para mostrar isso”, afirma Aldo Frachia, gerente de Diversidade e Atração. “Queríamos que o candidato se conectasse com ele mesmo e com a Votorantim Cimentos, ao longo da seleção”.

A etapa presencial da Votorantim Cimentos

Para “captar a essência” do candidato, a proposta é que, na primeira etapa do processo, eles façam um vídeo de até 2 minutos sobre os últimos 7 anos de sua vida. Cada um será avaliado não só pelo conteúdo, mas também pelas entrelinhas. Por exemplo, pelo quanto se revela orgulhoso de sua trajetória. 

Na etapa presencial de 2018, além da conversa, foi incluída uma experiência prática para ajudar os avaliadores a identificarem os comportamentos dos candidatos. Os jovens participaram da construção de casas populares em uma comunidade de São Paulo, por meio de uma parceria da Votorantim com a Moradigna, um negócio social que viabiliza reformas residenciais a um preço mais baixo que a média do mercado. No ano seguinte, a empresa promoveu uma dinâmica em parceria com o Pimp my Carroça, movimento que atua para dar visibilidade aos catadores de materiais recicláveis. O principal objetivo foi avaliar como os candidatos trabalhavam em grupo. Da perspectiva da trainee Maria Luiza Carvalho, aquela que se emocionou ao ser aprovada no processo, a vivência foi impactante. “Entendemos como era de fato a realidade árdua dessas pessoas. Saí dali diferente do que entrei. Fui crescendo ao longo do processo”, conta.

A missão escrita no site da Danone é “levar saúde por meio da alimentação ao maior número de pessoas possível”. A companhia tem consumidores das mais variadas idades e culturas, mas essa diversidade não se refletia no quadro de funcionários da empresa. Em busca de perfis variados de pessoas, a liderança também aderiu ao seleção às cegas. Eliminaram o inglês e o teste de lógica para focar na aderência cultural. Nas entrevistas, buscam candidatos que tenham como propósito pessoal ajudar a saúde do planeta e das pessoas. 

Em uma das etapas iniciais, o candidato faz um vídeo apresentando alguma ideia inovadora para o mercado. É o momento em que ele pode mostrar sua criatividade a partir de um briefing. Seguem para a próxima fase aqueles que demonstram estar alinhados ao propósito da companhia. Na sua vez, Natália Beatriz da Silva, hoje estagiária da Danone, foi orientada a simular a abertura de uma startup voltada para marketing de relacionamento e desenvolvimento de sites. Sua ideia, então, foi aproximar a empresa do seu consumidor final através de um portal para adultos e crianças. Na parte adulta, os visitantes podiam trocar dicas de uma alimentação mais saudável, compartilhando experiências e receitas que incluíssem os produtos da Danone; e na parte infantil, o foco eram jogos educativos e ensinamentos sobre reciclagem. 

Durante a pandemia, a Danone adotou o processo seletivo 100% digital. Os gestores começam cada etapa com uma dinâmica descontraída para quebrar o gelo. A turma de Natália, por exemplo, teve que criar uma história. O primeiro candidato começava a história com um produto da Danone e os demais iam completando. O que menos importava era a história em si (que ficou sem pé nem cabeça), mas a brincadeira fez com que todos relaxassem. Quando recebeu a emocionante notícia de que foi aprovada, Natália sentiu como um resgate do gostinho bom da infância. “Trabalhar na Danone é como ter uma memória afetiva por ser um lugar que fez parte da minha infância toda. Sentir que contribuo um pouco para que cada produto chegue no mercado e faça parte de novas histórias de vida é especial”, diz.

Estagiárias da Danone

Sai a lógica, entram as sutilezas

Na Braskem, maior produtora de resinas termoplásticas nas Américas, o que disparou a mudança no processo seletivo dos estagiários foi a pressão interna da equipe de RH sobre a liderança da companhia. Desde 2014, o time reivindicava mais diversidade e inclusão, o que deu origem a um departamento dedicado aos temas e ao propósito interno de ser uma empresa mais humana e capaz de melhorar a vida de seus funcionários. Na ocasião, foi conduzido um treinamento para integrantes e líderes tornarem a comunicação e o ambiente mais inclusivos e diversos. Em 2019, o principal desafio seria eliminar a necessidade de os candidatos ao estágio cursarem uma faculdade de primeira linha. “Não é verdade que as melhores faculdades formam as melhores pessoas. Há bons profissionais e boas pessoas em todas as universidades. Muitas vezes, as que mais precisam de uma oportunidade em estágio não tiveram como fazer uma boa faculdade”, diz Fernanda Tognolli, analista de Pessoas & Organização da Braskem.

Uma das etapas do novo processo da Braskem é o game 100% personalizado, que conta a história da empresa. Conforme o candidato vai passando pelas etapas, têm seus comportamentos e personalidade sutilmente avaliados, por meio de decisões que tem que tomar. A todo momento se depara com dilemas como: “Posso tomar uma decisão sozinho e diminuir o tempo da minha atividade, ou posso conversar com o meu time e construir uma ideia coletiva, mas vou demorar mais. Qual eu escolho?”. Enquanto isso, a liderança da empresa avalia o processo de aprendizado do candidato. Como ele analisa fatos e dados e, a partir disso, com que velocidade tom sua decisão. O que ele mais valoriza e para o que atribui mais peso. 

O resultado da seleção às cegas surpreendeu os gestores. “Ouvimos vários depoimentos do tipo: ‘Poxa, quem diria que pessoas que não estudaram numa faculdade de primeira linha iriam tão bem aqui’. As coisas estão ganhando forma e estamos conseguindo evoluir cada vez mais”, comemora Fernanda. Algumas mudanças culturais, decorrentes da transformação dos últimos seis anos, são visíveis na empresa. Por exemplo, as pessoas costumavam ser muito formais no dia a dia e tinham que seguir um dress code determinado. Hoje, os colaboradores são mais livres para escolherem as roupas que quiserem usar. 

Sem padrão, com qualidade

“Imagine que a PepsiCo te deu U$S 100 mil para explorar a próxima grande tendência no segmento de alimentos e bebidas, qual seria a sua proposta de negócio disruptiva e como você a levaria para o mercado atual?”, essa é a pergunta que a empresa faz no seu desafio Dare To Do More (“Ouse fazer mais”, em português), lançado em 2019. Com mais de 1.200 recém-formados e universitários inscritos no primeiro ano do desafio, a liderança da empresa entendeu o potencial dos talentos que apareciam e decidiu torná-lo uma etapa do seu processo de trainee. Em 2020, os vencedores, além de apresentarem o seu projeto para a diretoria global, formarão o próximo grupo de trainees da companhia. 

Com essa dinâmica, o propósito é promover desenvolvimento pessoal, experiências de aprendizado, estimular a criatividade e o senso de responsabilidade em cada candidato, ao mesmo tempo trazendo diversidade para dentro da empresa. Na edição passada, o resultado do processo de trainee foi 53% de representatividade racial e 70% de representatividade feminina. 

Na Cargill, empresa global de serviços e produtos alimentícios, agrícolas, financeiros e industriais, o último processo seletivo de estágio, que também foi às cegas, recrutou 40,1% de mulheres e teve um aumento de 3 vezes mais estudantes de faculdades com classificação inferior a cinco ou quatro estrelas, segundo avaliação do MEC. As principais mudanças no programa foram eliminar o gênero, a idade, a etnia e o nome da faculdade do candidato. “A Cargill está empenhada em criar e manter um ambiente de trabalho inclusivo e diverso, onde todos os funcionários são tratados com dignidade e respeito e possam aprender, desenvolver-se e contribuir para o sucesso da empresa”, diz Luciana Giuranno, head de aquisição de talentos da Cargill. 

Se os processos às cegas gerarem os resultados esperados, no futuro eles não serão mais necessários. Sua consequência natural será a garantia de times naturalmente mais representativos.

Por Bruna Galati

Com home office, empresas flexibilizam seus benefícios

Vale-transporte, auxílio creche, vale-alimentação e plano odontológico faziam parte de uma lista de benefícios tradicionais que por muito tempo atendeu às necessidades da maioria dos trabalhadores. Mas desde a Reforma Trabalhista, aprovada em 2017, muitas empresas passaram a considerar a flexibilidade desta oferta. As ações nesta direção vinham acontecendo timidamente até que a pandemia mudou radicalmente o jeito de trabalhar. O que parecia uma tendência de futuro até o fim de 2019 passou a ser realidade. O home office levou a liderança de diversas empresas a constatarem a necessidade de oferecer alguns auxílios diferentes dos convencionais, como acesso à internet e mobiliário, para garantir boas condições de trabalho em casa. Algumas foram além e possibilitaram que os funcionários personalizassem seu pacote de benefícios.

A Gupy, startup que se propõe a transformar a maneira como são feitos os processos seletivos com o uso de tecnologia, decretou o home office de todo o time bem no início da pandemia, em meados de março. O que começou como algo temporário logo se tornou uma condição duradoura para todos da companhia. Em meio às novidades e adaptações necessárias para um time pouco acostumado ao trabalho remoto, a empresa priorizou a equipe.

Nos primeiros dias de trabalho remoto, os colaboradores receberam um auxílio internet no valor de R$ 150,00 que se mantém até hoje. Conforme a quarentena se estendeu, outras necessidades surgiram. Todos os equipamentos de escritório como computadores, suporte para os pés e mouses foram entregues nas residências dos funcionários em uma grande operação de logística, já que muitas pessoas migraram para locais mais distantes do escritório. O conforto foi outra preocupação da empresa. Um auxílio de R$ 1.500,00 foi oferecido para que cada pessoa montasse seu escritório em casa. 

Além dos aspectos práticos, um benefício já conhecido pela empresa ganhou mais atenção durante esse período: o auxílio terapia. Os “gupers”, como são chamados internamente os funcionários, recebem um subsídio de terapia online 1 vez na semana para cuidar da saúde mental. 

“Nossa preocupação maior no primeiro momento foi olhar para os gupers e garantir que eles tivessem boa condições e um suporte emocional para trabalhar em casa”

Guilherme Dias, CMO da Gupy.

Todas essas mudanças foram realizadas através do aplicativo da Caju, startup de cartão de benefícios, que expande as possibilidades de cada funcionário ter o próprio pacote de serviço. Fundada em 2019, a Caju se define como uma empresa de experiência do colaborador. Sua proposta é mudar o modelo engessado de oferta de benefícios oferecido pelas empresas.

Nesse formato mais flexível é o colaborador que controla seus benefícios. Ele recebe um saldo mensal da empresa e, no aplicativo da Caju, faz a opção pelo benefício que considera mais útil. 

Segundo a empresa, a tendência de a área de Recursos Humanos se tornar mais estratégica abriu espaço para mudanças no modelo engessado de benefícios. As empresas começaram a olhar para a experiência interna da mesma forma que olhavam para a experiência do consumidor, o que aumentou a demanda de serviços como o oferecido pela Caju.

“Demos o poder na mão do colaborador para ele decidir seu benefício sem precisar pedir mudanças ao RH. Invertemos o processo e, com isso, tiramos um trabalho do RH, permitindo que cada funcionários monte seu pacote de forma simples.”

Eduardo Del Giglio, CEO da Caju 

Outra cliente da Caju é a Revelo, empresa de tecnologia em recursos humanos. Por lá, a flexibilização foi radical. Em vez de delimitar um valor para cada benefício dos funcionários, a empresa disponibilizou um valor total e cada colaborador montou seu pacote. Segundo a diretoria da empresa, a flexibilidade é uma vantagem, já que uma jovem solteira possui demandas distintas de uma pessoa casada com dois filhos, por exemplo.

“Existem algumas pesquisas de mercado que mostram que as pessoas não querem ter um valor para alimentação ou para creche, elas querem ter autonomia financeira para decidir onde alocar, porque cada um tem uma realidade.”

Patrícia Carvalho, CMO da Revelo 

A companhia vem monitorando de perto seus funcionários para entender melhor suas individualidades. Durante as primeiras semanas de pandemia, o time percebeu uma queda na demanda por sessões de terapia, já ofertadas anteriormente, através da parceria com a ZenKlub, empresa de atendimento psicológico online. Com esse alerta, criaram uma campanha de engajamento e viram os acessos aumentarem em 20%. 

Além disso, foi realizado o movimento de logística, enviando aos funcionários computadores, telas, mesas e cadeiras para que o trabalho estivesse o mais próximo do habitual. Um auxílio 4G também ficou disponível para aqueles que não possuíam internet. 

O acesso à internet dos funcionários também foi um ponto de atenção da Mobly, empresa de móveis e decoração, quando o home office foi decretado. A companhia firmou parcerias com duas operadoras de internet para que os funcionários pudessem contratar um serviço de qualidade a um preço acessível. Outra mudança realizada a pedido dos funcionários foi a troca do vale-refeição pelo o vale-alimentação, que teve seu valor reajustado.

O esquema de trabalho em casa deu tão certo na Mobly, que um comitê interno optou por fechar o escritório e manter o home office permanentemente. Todo mobiliário do escritório foi oferecido aos colaboradores. Para aqueles que optaram por comprar novos móveis no site da empresa, todas as peças saíram a preço de custo.

Para o longo prazo, a Mobly está construindo um ponto de apoio, que será menor que o escritório, mas servirá para aqueles que precisam de um espaço de trabalho também fora de casa e para realizar reuniões e treinamentos. 

“Nossa decisão pelo trabalho remoto é definitiva. Acreditamos que com todas as adaptações que estamos fazendo, o modelo tende a melhorar como o passar do tempo.”

Livia Callejas, Gerente de Recursos Humanos da Mobly

Na gráfica online Printi as mudanças foram acontecendo gradualmente. Diferentemente das empresas que já mudaram seus benefícios logo no início da quarentena, a equipe de gestão de lá fez uma pesquisa com os funcionários antes de tomar suas decisões. A partir dela, o time pensou em um novo modelo de benefícios a todos os colaboradores. 

A empresa disponibilizou auxílio internet e eletricidade para seus funcionários e enviou cadeiras do escritório para a casa de cada uma das pessoas. Com o apoio de uma plataforma de benefícios flexíveis, trocou o vale-refeição pelo vale-alimentação. 

Houve também uma atenção especial para as dificuldades emocionais que o home office pode trazer. A convivência familiar intensa e a mescla de trabalho e vida pessoal nem sempre são bem recebidas pelas pessoas. Pensando nisso, a liderança da empresa contratou um suporte online de terapia. Segundo o CEO, Hugo Rodrigues, o novo modelo agradou os funcionários e veio para ficar na Printi.

“Fizemos a mudança gradual para garantir que fosse definitiva. A minha preocupação era garantir que as pessoas percebessem que estamos evoluindo.”

Hugo Rodrigues, CEO da Printi 

Na Mandic Cloud Solutions, empresa de gestão de cloud corporativa, um modelo flexível de benefícios já estava em fase de implementação, com previsão de vigorar a partir de março deste ano. Porém, com a chegada da pandemia e as incertezas deixando as pessoas mais vulneráveis e apreensivas, a diretoria da empresa concluiu que seria melhor adiar a mudança. 

A adoção do novo modelo aconteceu em agosto, após a decisão de que o trabalho remoto seria mantido até o desenvolvimento da vacina. O projeto, batizado de Mandic Switch, permite aos colaboradores a customização nas escolhas de benefícios de acordo com seu estilo de vida. Por meio de um sistema de pontos, os funcionários montam seu pacote de benefícios levando em conta as próprias necessidades. Entre as opções estão: plano de saúde, plano odontológico, vale-refeição, vale-alimentação, seguro de vida, benefício academia, benefício farmácia e subsídio para capacitação e cursos. Além disso, é possível guardar os pontos e solicitar reembolso de acordo com as regras do programa.

Para essa transição, foi adotado um modelo didático. Primeiro houve um teste entre os gestores e, depois, o programa foi para todos os funcionários. Para conscientizá-los de que as escolhas precisam ser bem pensadas, a equipe da área de pessoas criou um game explicando o que é a flexibilidade, como utilizar e como as necessidade podem mudar ao longo do tempo. Após esse primeiro contato, houve algumas palestras e por fim o atendimento individual, onde foi feita a escolha dos benefícios. 

“Deu trabalho, mas não tivemos medo de mudar. Creio que é um caminho sem volta. Acreditamos muito no modelo e por isso está dando certo.”

Vanessa Haba, diretora de pessoas da Mandic Cloud Solutions

Independentemente do segmento de cada uma dessas empresas, há uma unanimidade de que hoje vivemos o futuro. Um cenário inesperado fez projetos desenhados para os próximos cinco anos, virarem realidade em apenas cinco meses. A individualidade de cada pessoa ficou ainda mais evidente, tanto no âmbito pessoal quanto profissional. As empresas que compreendem e melhor se adaptam ao modelo personalizado de benefícios ganharão uma vantagem competitiva para atrair e reter talentos. 

Por Victoria Pirolla

Programa de recrutamento da Oracle seleciona às cegas e dispensa currículo

Uma das poucas lembranças que Alex de Oliveira, de 25 anos, tem de sua infância é de uma conversa com a mãe na qual disse que um dia teria dinheiro suficiente para levá-la ao exterior e pagar-lhe um sorvete. A mãe chorou e o abraçou.

Morador do Parque Edu Chaves, na Zona Norte de São Paulo, Alex começou a trabalhar aos 11 anos como vendedor ambulante para ajudar nas despesas de casa. Quando terminou o ensino médio conseguiu uma oportunidade de trabalho como monitor no laboratório de informática da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing). Como funcionário, conseguiu uma bolsa para o curso de Design, mas não se identificou. A formação não foi concluída, mas o ajudou a encontrar uma área de interesse, as ciências sociais.

Empenhado em fazer sua graduação no curso de Ciências Sociais e do Consumo, descobriu que os primeiros colocados no vestibular da ESPM ganhavam bolsas de estudo. Estudou muito e conseguiu. Ficou em terceiro lugar no ranking geral da faculdade, mas em primeiro entre os alunos de escola pública.

Alex de Oliveira, surpresa ao saber que o processo era feito às cegas

Alex foi um dos selecionados na primeira turma do Generation Oracle, o GenO, um processo seletivo da gigante de tecnologia que deixa de lado o currículo e avalia a atitude dos candidatos. “O lema do nosso programa é ‘contratamos pessoas e formamos profissionais’”, diz Daniele Botaro, head de diversidade da Oracle.

A ideia de criar o programa surgiu em 2018. A empresa que abastecia as vending machines do prédio da Oracle, em São Paulo, quebrou e a companhia precisou buscar outro fornecedor. O processo de mudança levaria dois meses para ser concluído. Neste intervalo alguns funcionários, que não gostavam da água filtrada, reclamaram da falta de água mineral. Para tentar minimizar o problema, o presidente da empresa, Rodrigo Galvão, solicitou a compra de mil garrafas d’água e a distribuição delas por todos os andares do prédio. Depois de todo esforço, foi surpreendido com um e-mail reclamando da falta de água com gás.

A mensagem fez Galvão se perguntar: que pessoas estamos trazendo para trabalhar na empresa? Elas querem mesmo estar aqui? Elas querem fazer parte disso? Como elas estão vendo as oportunidades que estão recebendo?

Disposto a mudar esse comportamento, chamou cinco ex-estagiários que haviam sido efetivados e pediu ajuda para criar um processo de recrutamento que trouxesse pessoas com outra atitude para a empresa. Os cinco não foram escolhidos por acaso. Eles se destacavam na companhia pela proatividade e por participarem intensamente das ações dentro e fora do escritório. Foram eles que criaram o GenO e suas regras de seleção.

Para garantir que a avaliação seja baseada exclusivamente na competência dos candidatos, todo processo é feito às cegas. O candidato responde a um questionário e depois grava um vídeo respondendo algumas perguntas. A imagem do vídeo é borrada e a voz é modificada para que não sejam identificados o gênero, a raça ou a idade do candidato. O programa é aberto a qualquer interessado. O único requisito – exigido pela legislação brasileira – é estar matriculado em um curso superior ou técnico.

O que a Oracle busca nos candidatos é atitude, paixão e o desejo de mudar o mundo através da tecnologia. Em resumo, a maior identificação possível com os seis valores da empresa:

1. Espírito de startup
2. Encarar a verdade
3. Obsessão pelo cliente
4. Comportamento de dono
5. Paixão pela Oracle
6. Impacto em comunidades

No primeiro processo seletivo, no ano passado, foram recebidas cerca de 7000 inscrições. Destas, 1000 pessoas enviaram o vídeo. Em outra etapa, os candidatos precisaram mostrar capacidade de usar a tecnologia para analisar dados. Não é necessário ter nenhum conhecimento prévio. O uso da ferramenta é intuitivo. No ano passado, por exemplo, os estudantes tiveram acesso a dados sobre a saúde do Rio de Janeiro e receberam o desafio de buscar insights de políticas públicas para solução de problemas. Somente na última rodada de entrevistas a identidade dos candidatos foi revelada.

O envolvimento dos funcionários da Oracle no GenO é grande. Os 15 profissionais aprovados escolhem em qual área gostariam de começar. Os gestores fazem um pitch apresentando o projeto no qual eles poderiam trabalhar para atrair os recém-chegados para o seu time. Ao final de cada trimestre, todos mudam de setor e recebem novos desafios. Em cada área, o GenO é acompanhado de perto por um funcionário que se voluntaria para ser o Guardião e outro para ser o Pioneiro. O primeiro fica mais diretamente com o GenO, fazendo a ponte entre as equipes ou oferecendo mentoria. O Pioneiro cuida do programa em si, determinando o papel do estudante dentro do setor.

Lia Zavatini: desejo de mudar o mundo através da tecnologia

Antes mesmo de concluído o período de 12 meses do programa de 2019, todos os selecionados foram efetivados. Uma delas é Lia Zavatini. Aos 36 anos, formada em Administração de Empresas e com MBA em Gestão de Pessoas, ela já tinha uma carreira de dez anos no mercado financeiro quando decidiu mudar radicalmente e iniciar uma nova graduação na área de Tecnologia da Informação. “Assistindo de perto ao processo de automatização dos bancos, percebi que a única forma de mudar o mundo seria através da tecnologia”, diz a profissional.

Durante o programa, ela passou pelas áreas de pré-vendas, vendas e RH, onde foi efetivada. Hoje cuida da área de treinamento e desenvolvimento. Antes de chegar à Oracle, Lia se inscreveu em quase 30 programas de estágio, mas todos pediam experiência na área.

O mesmo aconteceu com Alex, que chegou a ser selecionado para as últimas fases de programas de estágio de outras grandes empresas. O feedback que recebeu em todos foi na linha: “Gostamos muito de você, mas optamos por outra pessoa”. “Eram processos que tinham uma promessa de diversidade, mas quando eu chegava na etapa final, os outros candidatos tinham um perfil muito homogêneo”, lembra o estudante.

O que chamou atenção de Alex no programa da Oracle foi a valorização dos profissionais pelas suas competências. Não pedia inglês fluente ou experiência anterior. Mesmo descrente, decidiu se candidatar. Sua impressão mudou quando foi para a última etapa, que era presencial. Até ali ele não sabia que o processo era feito às cegas. “Quando notei que só na última entrevista estavam vendo meu currículo, me surpreendi”.

Alex foi efetivado na Oracle, no setor de CSM (Customer Success Management), que cuida de pós-vendas. Levando em conta sua trajetória até aqui, é só uma questão de tempo até que a promessa feita à sua mãe seja cumprida. Resta saber qual sabor de sorvete ela irá escolher.

Por Silvia Balieiro

Daniel Lavouras, um empreendedor na sala de aula

Daniel Lavouras com os alunos do Colégio Elite
Mesa de operações do Banco Marka, em 95: o primeiro trabalho de Daniel Lavouras foi longe das salas de aula

O gaúcho Daniel Lavouras, de 48 anos, trocou uma carreira corporativa tradicional em ascensão por uma aventura arriscada em um universo novo: a educação. O encontro do que se tornou mais do que um trabalho, mas um propósito de vida, permitiu que ele promovesse uma transformação na perspectiva de vida de muitos alunos. Formado em 1994 pelo ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica), começou sua vida profissional no mercado financeiro. Era operador no Banco Marka, um início promissor para jovens ambiciosos, mas não se identificava com a função nem estava disposto a trabalhar em algo que não o realizava. Foi quando aceitou uma proposta da Procter & Gamble (hoje P&G) para trabalhar em uma fábrica da Phebo, em Belém do Pará. Outra oportunidade atraente para profissionais com diploma de uma faculdade de elite em começo de carreira. O engenheiro com então 24 anos gostou da nova posição, mas não conhecia ninguém na cidade e sentia-se entediado à noite por não saber o que fazer no tempo livre. A solução para acabar com o ócio veio depois de uma conversa com um amigo, e não foi nenhum hobby óbvio. Os dois decidiram dar aulas particulares gratuitas à noite.

Mandaram imprimir alguns panfletos, distribuíram pela cidade, espalharam 20 cadeiras em um cômodo do apartamento e ficaram à espera dos alunos. E não é que eles apareceram? Para surpresa dos dois, no primeiro dia a sala lotou de rostos curiosos querendo entender por que alguém ofereceria aulas de graça. No início, os rostos sempre mudavam frequentemente, mas com o tempo Daniel percebeu que alguns começaram a se repetir. Decidiu perguntar o porquê de estarem ali. Descobriu que sonhavam alto. Queriam cursar grandes universidades, como USP, Unicamp e ITA. Eram excelentes motivos, concluiu.

Entusiasmado com a vontade de aprender dos estudantes, Daniel definiu um plano de aula para o grupo e passou a dedicar-se ao ingresso deles na universidade. Deu certo. No final do ano, aquela pequena turma conseguiu entrar na faculdade dos sonhos. No ano seguinte, Daniel aprovou 18 alunos no vestibular do ITA, considerado um dos mais difíceis do Brasil. A notícia logo se espalhou pela cidade e fez o número de alunos aumentar. Tanto que dois anos depois, com apenas 27 anos, o engenheiro abriu sua primeira escola e dividia seu tempo entre a fábrica e a sala de aula. “Nunca tinha imaginado que seria professor”, diz ele. “Minha letra é feia e sempre achei que um pré-requisito para ser professor era ter uma boa caligrafia. Mas entendi que a principal necessidade dos alunos é ter alguém que acredite em sua capacidade e os incentive a conquistar seus objetivos”.

Quando ensinar virou profissão

Em 2004, a marca Phebo foi vendida para a Granado e, por causa disso, a fábrica em Belém foi fechada. A multinacional americana propôs que Daniel assumisse uma posição na indústria de fraldas da Pampers, outra marca do grupo, nos Estados Unidos. Mas já encantado pelo prazer de ensinar, ele optou por deixar a vida corporativa e dedicar-se integralmente às salas de aula. 

Não foi um começo fácil. A realidade socioeconômica de Belém era difícil e a desigualdade social considerável. De acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o índice de pobreza na capital paraense em 2003 era de 40,60% – quase metade da população. O professor recorda que chegou a dar aulas no escuro, porque a luz acabava com tanta frequência que não tinha como interromper o curso toda vez que isso acontecia.

Uma das característica mais marcantes de sua escola era a diversidade entre os alunos. Em função do alto índice de aprovação nos mais difíceis vestibulares, a escola costumava ser procurada pelas famílias de classe social alta. Mas Daniel fazia questão de sempre reservar vagas para alunos bolsistas. “Ao mesmo tempo que tinha o pai que deixava o filho na escola com um carro importado, tinha o aluno que perdia a família inteira para a criminalidade”. Quando algum estudante deixava de ir para a escola, Daniel ia até sua casa tentar trazê-lo de volta, mas lembra que não era incomum os jovens desistirem das aulas.

Além da desistência, o desinteresse é outro obstáculo constante na escola. A maior parte dos estudantes pensa em tirar nota nas avaliações para passar de ano. Dificilmente alguém faz trabalhos extracurriculares, que não contam ponto no boletim. É nessa hora que entra a importância do ambiente escolar saudável, que envolve uma boa relação entre o professor e o exemplo que um aluno exerce sobre o outro. Então, Daniel criou uma estratégia para superar o desinteresse: tornar a escola um lugar prazeroso, de onde os jovens não queiram ir embora. “Quando o aluno descobre o prazer de aprender, ele próprio se motiva a estudar mais e mais”, conta Daniel.

Atitude empreendedora pela autoestima dos alunos

Daniel, de camisa ao fundo, com os campeões olímpicos embarcando para a mais uma competição

Uma das formas que Daniel encontrou de estimular o prazer pelo estudo foram as Olimpíadas do Conhecimento. A descoberta deste caminho aconteceu por acaso. Em uma de suas aulas, ele comentou com seus alunos sua intenção de levar a competição para a cidade de Belém, mas se surpreendeu com a incredulidade dos estudantes, que achavam que não seriam capazes de competir com as turmas de grandes capitais, como Rio de Janeiro e São Paulo.

Ao constatar a baixa autoestima de seus alunos, Daniel ficou ainda mais motivado para cumprir a missão. Sabia que sua persistência poderia ser um bom exemplo aos estudantes. À época, só existiam duas olimpíadas no Brasil – a de matemática e a de química –, e o professor decidiu trazer para o país a Olimpíada de Astronomia.

A tarefa foi dura. Envolveu ligações para Moscou, onde acontecia a Olimpíada Internacional de Astronomia, mais de 400 emails para entidades governamentais e de pesquisa, como Ministério da Educação, CNPQ (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de S. Paulo). Não teve retorno. Diante do silêncio, resolveu, ele mesmo, organizar a 1ª Olimpíada Brasileira de Astronomia (OBA).

Daniel em Moscou, na Rússia, com o primeiro time brasileiro na Olimpíada Internacional de Astronomia, em 1998
Daniel (segundo da esquerda para a direita) em Moscou, na Rússia, com o primeiro time brasileiro na Olimpíada Internacional de Astronomia, em 1998

O passo seguinte foi preparar a prova da olimpíada. Sem respaldo de grandes instituições, foi preciso uma dose extra de lábia para convencer os alunos a participarem. “Eu disse a eles que o que precisavam fazer era bem mais simples: apenas participar de uma prova. Minha intenção era fazê-los acreditar que podiam”.

A primeira OBA foi realizada em agosto de 1998. Em outubro do mesmo ano Daniel já viajava com um grupo de cinco alunos vencedores para Moscou. Foi a primeira vez que o Brasil participou da Olimpíada Internacional de Astronomia. Hoje, o evento atrai mais de um milhão de participantes por ano.

A partir deste momento, a relação de Daniel com as olimpíadas do conhecimento foi além. Ele foi um dos responsáveis por levar a Olimpíada Brasileira de Informática (OBI) e a Olimpíada Brasileira de Física (OBF) para o Norte do país. Foi um dos organizadores da primeira Olimpíada Brasileira de Biologia (OBB), em 2005. Representou o Brasil na Olimpíada Internacional de Geografia como observador, em 2008, e criou a Olimpíada Brasileira de Geografia (OBG) em 2015.

Daniel continua sendo um dos maiores incentivadores das olimpíadas do conhecimento, mas não deixa de lado a preocupação com a qualidade do ensino e do ambiente escolar. Hoje é presidente do Sistema Elite de Ensino, que já tem 40 unidades espalhadas pelo Brasil. A rede de escolas é reconhecida pelo seu método não convencional de ensinar, pois alia conteúdo ao desenvolvimento de soft skills, como capacidade de comunicação, liderança e trabalho em equipe. “O mundo, infelizmente é competitivo e o papel da escola é fazer sua parte para que seus alunos possam conquistar tudo o que desejarem. Se o aluno quer ir para a Harvard, a escola tem de que dar essa condição”, diz.

Este olhar otimista para a educação fez Daniel participar da fundação do Instituto Vertere, em 2018, com o empreendedor Gustavo Wigman. A missão da entidade é apoiar os professores e desenvolver ferramentas para melhorar o processo de aprendizagem, entre elas, as Olimpíadas do Conhecimento. Hoje o instituto organiza competições como a Sapientia, a Olimpíada Brasileira de Linguística, a Obecon (Olimpíada Brasileira de Economia) e a Vitalis (Olimpíada Brasileira de Medicina).

O papel do professor

Daniel Lavouras com os alunos do Colégio Elite
Daniel Lavouras com os alunos do Colégio Elite

Para que a escola consiga cumprir o seu papel, ela depende do professor, acredita Daniel. É ele que, na sala de aula, vai influenciar o aluno. Professores desmotivados e descontentes dificilmente conseguirão despertar a paixão do aluno pelos estudos. “O professor não entrar na sala motivado, passa para o jovem, mesmo que inconscientemente, a impressão de que não acredita em seu potencial. Por isso, o exemplo vindo de professor para aluno é extremamente importante para o desenvolvimento dos alunos”, afirma.

O círculo virtuoso se completa quando a escola oferece um ambiente saudável de convivência. O que se vê com frequência nas escolas é uma inversão de valores, com alunos que desrespeitam o professor sendo admirados pelos colegas, e os estudiosos sendo menosprezados e rotulados como “CDFs”. As olimpíadas de conhecimento podem também ser um caminho para resolver essa questão. Quando o aluno estudioso vai com tudo pago para Moscou porque foi bem em uma olimpíada, ele serve de exemplo e estimula os colegas a estudarem com afinco não só a tirar nota para passar, mas para terem novas e intensas experiências de vida. “Se os alunos medianos se espelharem nos campeões olímpicos e conseguirem ser 1% melhores, já será um ganho. Se todo mundo ficar 1% impactado por uma história boa, já conquistamos alguma coisa relevante”.

Por Gabriella Lopes


Carta aberta: uma tendência para a comunicação?

Durante este período de pandemia, nos deparamos aqui no Atitude Empreendedora com algumas reportagens repercutindo cartas escritas por CEOs de grandes empresas. A mais destacada delas foi certamente a carta de Jeff Bezos, sobre a qual fizemos um post. Nela, Bezos contou sua história e tentou defender seu negócio um dia antes de prestar depoimento no Subcomitê Antitruste da Câmara de Representantes dos Estados Unidos.

O isolamento social e os efeitos da pandemia aparentemente estimularam a disseminação desse formato. Desde o início da quarenta, presidentes de empresas têm usado esse meio para explicitar ações e comunicar atitudes de uma forma direta e sem intervenções. A explicação para esta preferência pode estar na maior facilidade para comunicar o que eles têm a dizer. Se antes as grandes comunicações dependiam das capas de revista ou dos sites de notícia para serem divulgadas, agora o cenário mudou. Com a internet, a distribuição das notícias se democratizou e agora pessoas e marcas podem fazer sua própria publicação. Além da Amazon, CEOs de outras grandes companhias como Salesforce, XP Investimentos, Laureate e Airbnb também usaram cartas para dar seus recados. 

Dia 17 de março, ainda início da quarentena e de um período de grandes incertezas, Marc Benioff, CEO da Salesforce, empresa de software on demand, comentou sobre o cenário mundial em carta aberta aos seus clientes. Mostrou que os dizeres  “O sucesso é baseado na confiança. A confiança começa com transparência” estampados em seu site não estão restrito somente à proteção de dados. O presidente reitera a preocupação com as vítimas e seus familiares, decreta o home office nos escritórios do mundo inteiro e fala das ações da companhia durante o isolamento, incluindo doações a eventos online. Por fim, deixa o seu e-mail para que o procurem diretamente as pessoas que tiverem sugestões de como a empresa pode ajudar com sua tecnologia.

“Enquanto todas as empresas e negócios navegam por território desconhecido, reforçamos que a Salesforce foi construída para lidar com momentos como este e nosso comprometimento com o seu sucesso permanece mais forte do que nunca. Nossa empresa foi fundada sobre valores essenciais — confiança, sucesso do cliente, inovação e igualdade — e estes valores continuam guiando nossas decisões e tudo o que fazemos”

Marc Benioff, CEO Salesforce

Outra companhia que também optou por comunicados em formato de carta aberta foi a Laureate International Universities. Eilif Serck-Hanssen, CEO do grupo, escreveu uma breve mensagem a fim de tranquilizar os alunos diante de um momento de grande dificuldade para a educação. 

Eilif abre as fragilidades da situação, reconhece a discrepância nas realidades das universidades em cada país e destaca a importância da educação.

“Nos encontramos em um período desconhecido e de incertezas, como nada que eu tenha visto em minha vida. No entanto, estou certo de que a educação nunca foi tão importante. Serão os cientistas, pesquisadores, médicos, enfermeiros, socorristas e todos os que trabalham nas redes de suprimentos que nos ajudarão a encarar esse momento, junto com os líderes comunitários, escritores, artistas e aqueles que inspiram, entretêm e capacitam-nos a distância.”

Eilif Serck-Hanssen, CEO Laureate International Universities

Brian Chesky, CEO do Airbnb, empresa americana de hospedagem, também usou uma carta para justificar as demissões no seu time logo no início da pandemia. Ele direcionou suas palavras aos funcionários. Contando que a empresa faz parte de um dos setores mais afetados pela crise, o turismo, a carta teve a intenção de esclarecer. Nela, Brian conta detalhes que levaram a decisão da companhia de cortar 25% de seus funcionários. 

“Ficou claro que teríamos que ir além quando enfrentamos duas duras verdades: 1. Não sabemos exatamente quando as viagens serão retomadas; 2. Quando as viagens retomarem, elas serão feitas de forma diferente” 

Brian Chesky, CEO da Airbnb

Guilherme Benchimol, CEO da XP investimentos, já era simpatizante do formato e havia escrito uma carta aberta a possíveis investidores quando fez o IPO, em 2019. Mente aberta, sonho grande e espírito empreendedor foram características listadas naquela época e reiteradas agora em sua carta de resposta aos ataques do Banco Itaú sobre comissionamento dos assessores na distribuição de produtos financeiros. Na carta, ele explica seu modelo de negócio e o motivo pelo qual não segue o padrão dos grandes brancos que, segundo ele, se sentem incomodados pela XP. Defendendo o espírito empreendedor dos assessores de produtos financeiros, Benchimol responde aos ataques e garante que o propósito de transformar o mercado financeiro segue o mesmo. 

A campanha do Itaú só reforça que estamos no caminho certo. Para o maior banco do país, com mais de 90 anos de tradição, ir a público e ofender uma profissão tão fundamental para o desenvolvimento financeiro dos brasileiros, é porque realmente percebeu que não consegue mais competir colocando o cliente em primeiro lugar.

Guilherme Benchimol, CEO da XP investimentos

A carta do CEO da XP disponibilizada pelo Linkedin abriu uma grande discussão nos comentários sobre suas declarações. E, de certa forma, aproximou o Benchimol de seus clientes e da sociedade. 

Seja pelo formato mais direto, sem intervenção de terceiros, ou pela vantagem de ser publicada no momento desejado pela empresa, as cartas têm ganhado força e estão se tornando o “novo normal” da comunicação corporativa.

Por Victoria Pirolla

Como os rituais de cultura mudaram durante o isolamento

Festa dos aniversariantes do mês no Instituto Ayrton Senna

A chegada do coronavírus gerou um novo desafio para os times de recursos humanos das empresas, que tiveram que adaptar seus rituais corporativos ao modelo virtual. A mudança inesperada exigiu adaptações nas interações. Festas da firma, ginásticas laborais e reuniões, que serviam para integrar antigas e novas pessoas, passaram a ser feitas de forma virtual. 

Mais do que mera formalidade, práticas como a integração são fundamentais para apresentar a cultura da empresa ao novo funcionário e mostrar o jeito de ser e de fazer da empresa. Nos últimos dias, o Atitude Empreendedora foi atrás de empresas que fizeram essa migração do presencial para o virtual. Falamos com Certisign, Locaweb, Instituto Ayrton Senna e Gympass, que revelaram como foi a adaptação das boas-vindas aos funcionários neste momento de distanciamento social.

Instituto Ayrton Senna: até ginástica laboral digital

No Instituto Ayrton Senna, ONG dedicada ao apoio à educação, a interação entre gestor e novo colaborador começa no momento em que ele é aprovado. O gestor, pelo Whatsapp, manda um vídeo parabenizando-o pela novidade. Depois, o novo funcionário recebe um e-mail com todos os seus benefícios e marca a data da sua iniciação – sempre depois de uma semana. Esse intervalo é proposital, para que o Instituto possa providenciar o envio do computador e equipamentos necessários para o colaborador ter condições de trabalhar dentro de casa. 

Depois, pelo Zoom, o profissional tem uma reunião com o time de gestão, para entender como funciona o Instituto e a sua cultura e saber mais sobre os projetos. No mesmo dia, tem um papo para integração com a liderança e com o time, que naquele momento já estão cientes de quem é o novo colaborador e onde ele irá atuar, tudo informado via intranet e e-mail.

“Para o novo colaborador isso faz muita diferença, porque ele se sente muito mais integrado, acolhido como parte do time”. 

Ewerton Fulini, vice-presidente corporativo do Instituto Ayrton Senna

Também houve mudanças nas práticas de Gente e Gestão, devido ao isolamento. O Instituto tem uma biblioteca para os colaboradores, que agora é virtual e pode ser acessada por meio de e-books. As aulas de ginástica laboral também continuam virtualmente. 

Outra ação que migrou para o online é o talão de cheques do Instituto. Funciona assim: um colaborador presenteia o outro com um cheque, que contém uma mensagem e o reconhecimento do seu valor. Agora, quando a pessoa que recebe o cheque faz login na intranet, explodem confetes e ela recebe seus valores. Para engajar as pessoas ainda mais na integração, toda última quinta-feira do mês, é feita uma reunião para comemorar os aniversariantes, um momento para conversar e cantar parabéns com os colegas de trabalho.

Para o futuro próximo, o Instituto já pensa em criar novos treinamentos online voltados para o desenvolver habilidades de liderança. Será uma série de palestras sobre foco, resiliência e saúde emocional. 

Certisign: mais proximidade com gestores

Na Certisign, a migração para o modelo 100% virtual foi gradual. Em maio, quando a empresa retomou as contratações, os novos colaboradores se deslocavam até a empresa para pegar os equipamentos e iniciar o trabalho. Em poucos dias, a Certisign verificou que esse procedimento não estava sendo eficaz. Além de colocar em risco a saúde dos profissionais, eles ficavam com algumas dúvidas sobre as rotinas do dia a dia. A solução encontrada foi criar um kit de boas-vindas, com equipamentos e máquinas necessárias para o trabalho, código de ética e manual de informações e entregá-lo na casa do contratado. 

O passo seguinte é uma reunião virtual com o gestor pela plataforma Microsoft Teams. Nela, o novo funcionário conhece a área em que irá atuar, tem o primeiro contato com a cultura da empresa, é apresentado aos processos que vai liderar e recebe um treinamento. Tudo pensado para que a pessoa tenha todo conhecimento necessário para começar a trabalhar. 

“Nosso grande aprendizado foi a importância do planejamento diário. Depois que os gestores começaram a ter uma interação maior com a equipe, perceberam que através da confiança é possível gerar mais resultado”.

Mario Sergio Sampaio, gerente de Recursos Humanos da Certisign

Nesse período a hashtag #MesmoLongeEstamosJuntos também foi criada para manter as interações em datas especiais, que antes ocorriam presencialmente. Por exemplo, no dia do nerd (25 de maio), os colaboradores mandaram fotos das suas coleções de HQs e de jogos e no dia do rock (13 de julho), mandaram vídeos cantando suas músicas preferidas. Houve também aproximação do CEO e da direção da empresa com os colaboradores de todas as áreas. Uma vez por mês, são feitas lives para informar sobre resultados e o andamento de projetos – algo que não acontecia antes. Os resultados parecem ter sido positivos: uma pesquisa interna revelou que 94% dos funcionários sentem que agora estão mais próximos dos gestores.

Locaweb: quebra de hierarquia nas conversas virtuais

Para a Locaweb, empresa brasileira de hospedagem de sites, serviços de internet e computação em nuvem, a mudança do presencial para o virtual ocorreu no momento em que eles receberam os aprovados do processo “Quero Ser Dev” – programa que oferece uma estrutura de desenvolvimento para jovens que estão em formação e tenham interesse em ser desenvolvedores juniores na empresa. Em anos anteriores, o processo de boas-vindas era presencial e extenso. Além dos jogos típicos, com fases e medalhas, os jovens passavam a manhã com o RH e depois conheciam todos os gestores e áreas da empresa, em uma semana de apresentação.

Com a pandemia, uma das preocupações da empresa era fazer esse processo virtualmente, sem perder a conexão e a proximidade dos recém-chegados com as áreas da empresa. Mas bastou uma reunião para o processo surpreender positivamente. Já no primeiro contato, a interação entre os jovens e os funcionários da empresa foi total.

“Parece que o online quebra um pouco a hierarquia e as pessoas tímidas se expõem melhor, perguntam no chat ou até mesmo com a câmera fechada”.

Simony Morais, gerente de Gente & Gestão da Locaweb

Além de acompanhar o onboarding, a equipe do RH conversa antes com o gestor ou diretor e explica quais são os pontos que devem ser abordados na reunião e quais áreas e gestores o novo colaborador deve conversar. A intenção é que ele conheça todas as pessoas com as quais terá contato no dia a dia e serão importantes para o seu trabalho.

A Locaweb também criou uma rede social interna da empresa, para manter a interação da equipe nas horas extras. Com lives dos colaboradores compartilhando receitas, falando sobre inclusão e diversidade e postando fotos nas datas comemorativas, como na Festa Junina, quando o feed ficou repleto de fotos das pessoas vestidas a caráter, e no Dia dos Namorados, quando histórias de amor foram contadas. 

Gympass: quanto melhor o ritual de boas-vindas, menor a rotatividade

Para a Gympass, plataforma de benefício corporativo holístico de bem-estar, a mudança de onboarding presencial para o digital não foi tão complicado, já que haviam passado por uma transformação digital recente por conta da sua expansão internacional. 

Mas, assim como nas demais companhias, seu maior desafio é garantir que os novos colaboradores construam relações de confiança com o time e consigam criar pontes com outros departamentos. O que a empresa faz é reuniões entre os novos colaboradores e seus pares e as pessoas chaves da organização, para os novos entenderem seus objetivos e desafios. 

O time de RH é responsável pelo processo de onboarding, porém a liderança tem um papel essencial, principalmente neste novo contexto de pós-pandemia.

“Nossa liderança entende que um processo de boas-vindas bem feito não só garante engajamento, evitando uma alta rotatividade, como é fundamental para que o novo colaborador entenda do negócio, conheça todas as ferramentas e, assim, tenha um desempenho esperado”.

Natália Alves, senior manager da Gympass

Por Bruna Galati

A reinvenção dos negócios imposta pelo coronavírus

Em 2020 fomos pegos de surpresa pela pandemia. De um dia para o outro, nossas rotinas mudaram e fomos obrigados a nos adaptar rapidamente às transformações em casa e no trabalho. Com o nosso podcast Atitude Empreendedora não foi diferente. As gravações, que antes aconteciam no Studio Tesis, com toda infraestrutura e equipamentos para a melhor qualidade de áudio, tiveram que ser feitas dentro de casa (detalhe: com cada participante em sua própria casa), sem nenhum contato físico ou visual.

Em alguma medida, é provável que todas as pessoas tenham mudado o jeito de fazer suas atividades durante este momento. Uns mudaram mais radicalmente, outros já tinham um modelo de trabalho mais híbrido e se adaptaram com mais facilidade ao trabalho remoto e à vida à distância. Mas todos tiveram que se reinventar de alguma forma, o que é uma atitude empreendedora.

André Siqueira, da Resultados Digitais

Salas virtuais para mais proximidade

Durante a segunda e a terceira temporadas do podcast, nossos entrevistados contaram um pouco como se adaptaram à quarentena. Para André Siqueira, da Resultados Digitais, por exemplo, o impacto não foi tão grande. No episódio #15 ele falou à reportagem do Atitude que o trabalho remoto, apesar de não ser padrão, já fazia parte da rotina da equipe. “Já tínhamos ferramenta de comunicação, somos acostumados a fazer call. Já lidávamos com a distância mesmo quando estávamos no escritório”, disse. Excepcionalmente para esse momento, a empresa criou uma plataforma interna online que mostrava as diferentes salas do escritório (terraço, sala de reunião, sala do time) e permitia que os colaboradores interagissem como se estivessem lá dentro.

Paulo Correa, CEO da C&A

Varejo mais próximo, porém digital

O impacto da Covid-19 também derrubou alguns mitos, como relatou Paulo Correa, presidente da C&A no Brasil no episódio #17. Ele, que nunca havia experimentado o trabalho remoto por ser um defensor no “olho por olho” fisicamente, mudou sua visão.  “Esse mito de home office versus escritório caiu por terra. Estou percebendo que as reuniões virtuais têm uma produtividade até maior em alguns casos, porque as pessoas se escutam, diferente de quando é pessoalmente, com falas atropeladas e sobrepostas”. Para isso, claro que a empresa (e todo varejo) teve que aprender rapidamente a usar ferramentas digitais. Correa acredita que esse momento mudou a relação dos consumidores com as lojas. Agora o contato não depende mais tão exclusivamente de as lojas estarem abertas. Pode acontecer de outras formas em multicanais.

Nuricel Aguilera, da Alpha Lumen

Mudanças na educação

Transportar a dinâmica do espaço físico para o digital também foi um grande desafio imposto às escolas. Nuricel Aguilera, fundadora do Alpha Lumen, instituto que ajuda a desenvolver crianças com altas habilidades, acredita que o ensino nunca mais será igual e que a tendência é que daqui para frente se torne híbrido, ou seja, um misto entre presencial e virtual. Com mestrado na área de tecnologia da inteligência artificial, Nuricel disse no episódio #23 que já vinha desenvolvendo antes da pandemia uma estrutura de aulas à distância. “Se você não consegue transladar uma estrutura presencial para uma estrutura digital, tem que criar uma estrutura traduzida que funcione bem”, afirma.

Felipe Simas, da F/Simas

A indústria do entretenimento

Outro setor altamente impactado pela crise foi o de entretenimento. Com shows e qualquer tipo de aglomeração proibidos, o showbusiness tal qual o conhecíamos colapsou. Os artistas rapidamente desbravaram as lives, mas a novidade perdeu um pouco o fôlego com audiências mais baixas no decorrer dos meses, conforme as pessoas foram retomando suas atividades. Felipe Simas, empresário do duo Anavitória e da cantora Manu Gavassi, contou no episódio #27 que acredita que mesmo depois de a pandemia ser controlada, a aglomeração não voltará tão cedo. A previsão de retorno dos concertos com plateia é para o final do ano que vem. Enquanto isso, o empresário aconselhou seus artistas a aproveitarem o momento para pensar em ideias, produzir conteúdos novos, pois tudo isso irá reverberar no futuro. “Acho que faz parte de nós, produtores culturais, encontrarmos maneiras seguras de fazer a roda girar, porque existem trabalhadores (e famílias) que dependem dessa indústria”, afirma.

Heitor Dhalia, da Paranoid BR

Gravações remotas no cinema

O cineasta e empresário Heitor Dhalia, da Paranoid BR, entrevistado do episódio do podcast que vai ao ar na semana de 10 de agosto, contou que, num primeiro momento, teve seu negócio completamente paralisado e ficou preocupado com tantos elementos desconhecidos que a pandemia trazia. Mas logo encontrou também oportunidades de manter a empresa ativa. A Paranoid foi uma das primeiras produtoras a fazer gravações de maneira remota e rapidamente adotou os protocolos de higiene para retomar trabalhos presenciais. Além da adaptação imediata, Heitor afirma que esse período apenas reforçou a importância do conteúdo audiovisual como forma de arte e entretenimento.

Dentro do Atitude Empreendedora também tivemos que nos adaptar ao novo jeito de gravar. E a tecnologia foi nossa grande aliada, assim como da imensa maioria dos negócios. O Studio Tesis foi muito ágil para responder aos desafios do momento. Rapidamente encontrou uma plataforma que viabilizou as gravações à distância. Era só acessar uma URL, apertar um botão e começar a gravar com cada participante em sua casa. Nós, da reportagem do Atitude, que somos da escola de jornalismo à moda antiga, que sempre preferimos fazer entrevistas pessoalmente e sem pressa, também tivemos que quebrar barreiras. Felizmente, descobrimos que dá, sim, para criar conexões profundas e trazer à tona revelações e reflexões inspiradoras, mesmo à distância.  

Por Vanessa Nagayoshi

O que a carta de Jeff Bezos revela sobre a cultura corporativa da Amazon

Jeff Bezos, fundador da Amazon

Terça-feira, dia 28 de julho de 2020. Jeff Bezos, fundador da Amazon, publicou uma declaração no “The Amazon Blog” um dia antes de prestar seu depoimento perante o Subcomitê Antitruste da Câmara de Representantes dos Estados Unidos, a respeito de práticas competitivas e formação de monopólio em mercados em que atua. No longo texto (como é seu costume), Bezos antecipou informações pertinentes à audiência que duraria cinco horas e na qual seriam interrogados, além dele, Mark Zuckerberg (Facebook), Sundar Pichai (Google) e Tim Cook (Apple).

Deixando de lado a questão do depoimento do empresário bilionário ao comitê parlamentar, esta carta traz a essência da cultura corporativa da Amazon. Nela, Bezos deixa claro os princípios e os valores que forjaram a história da gigante do e-commerce. Isso nos mostra o quanto a cultura corporativa é fundamental para o sucesso de um negócio. É ela que indica o “jeito de fazer de uma empresa”, o caminho pelo qual as pessoas devem seguir para levar a organização em direção à própria vocação.

Muito além de dados e informações práticas, na carta, ele conta um pouco sobre sua história de vida e desafios ao longo da trajetória de empreendedor. Por isso, no Atitude Empreendedora, destacamos alguns trechos que exemplificam a força da cultura corporativa da empresa. 

1. Luta e transparência.

Bezos começa sua narrativa aparentemente desviando do tema em questão. Não fala de monopólio tampouco do meio empresarial. Em vez disso, conta que sua mãe, que engravidou aos 17 anos, teve que batalhar para que a escola aceitasse que ela terminasse os estudos. Mais tarde, ela se casou com um imigrante, a quem ele chama de pai.

Os desafios e a maneira como os líderes de sua família superaram as adversidades foram essenciais para a formação de Bezos. A essência de enfrentar as dificuldades com capacidade de negociação, mas sem abrir mão do que realmente importa, estaria presente em tudo o que ele realizaria a seguir.

Além disso, o tom que ele adota para seu discurso é de transparência, trazendo emoção sem perder a estrutura, o que tende a gerar empatia com quem está do outro lado da tela e explica, em alguma medida, porque o fundador da “loja de tudo” se tornou uma referência para outros grandes líderes empresariais.

2. O sonho e a persistência.

Ao falar da idealização do conceito da Amazon, em meados dos anos 1990, Bezos conta que trabalhava em uma empresa de investimento, que oferecia a estabilidade desejada por muitos, mas decidiu se arriscar e criar a própria startup. Queria apostar na internet muito antes de este mercado se provar promissor. A viabilidade de seu plano foi questionada por pessoas influentes em seu meio, mas ele sabia o que vislumbrava e teve determinação para perseguir seu sonho.

3. Todo dia é o primeiro.

O Day One se tornou um dos pilares da cultura da Amazon. Consiste em manter a mentalidade de uma empresa em seu primeiro dia de existência independentemente do tamanho que ela tenha alcançado. Não significa ignorar a grandeza e a responsabilidade de uma companhia global. Mas, sim, usar essa mentalidade jovem para ter o melhor dos dois universos: o escopo e a capacidade de uma gigante e o espírito, a energia e o coração de uma startup.

4. O real foco no cliente.

Embora o “foco no cliente” faça parte do discurso das empresas muito antes de a Amazon nascer, Jeff Bezos parece ter revigorado seu significado. Na última década, grandes companhias que mais ditavam o comportamento do consumidor do que ouviam suas preferências, se curvaram à máxima de Bezos, adotando sua filosofia e reestruturando sua maneira de trabalhar para transformar a ideia em prática.

Outras, que nasceram ou cresceram nos últimos anos, já o fizeram seguindo os passos que levaram a Amazon a ganhar a fidelidade de consumidores dos produtos mais diversos ao redor do mundo. Nem todas podem se dar ao luxo de perder dinheiro por anos para oferecer o melhor serviço ao cliente antes de começarem a ganhar por isso, como pôde a empresa de Bezos. Mas a mentalidade consumer centric (centrado no consumidor) hoje é parte indiscutível de qualquer negócio que almeje ser grande.

5. A ambição por gerar impacto em escala.

No contexto dos questionamentos de um comitê antitruste, Bezos defende o valor da escala do negócio. Empresas como a Amazon são as únicas capazes de construir o que a humanidade precisa, afirma ele. E cita “empreendedores de garagem” para dizer que, por melhor que sejam, não poderão dar a vida produtos como um Boeing 787, que, por sua vez, transformam o mundo. O empresário lista feitos da Amazon, incluindo doações para a sociedade. Naturalmente, sonham junto com ele o sonho da empresa aqueles que despertaram dentro de si o desejo e o ímpeto de fazer coisas grandes, que possam criar impacto no maior número possível de pessoas.

6. Decidir antes de saber.

A criação do marketplace é um dos dilemas de negócios relatado por Bezos. Criar concorrência dentro do próprio site soa como uma decisão contra-intuitiva, não à toa teve tantos desencorajadores internos. Era difícil prever, no entanto, que este seria o responsável por boa parte do crescimento e sucesso da companhia. Assim como pelo escrutínio global que agora enfrenta.

Por fim, Bezos diz que acredita que todas as grandes instituições devem ser questionadas, e a sua não é diferente. Afirma que é seu dever passar por isso de forma verdadeira e detalhista. 

À parte as questões econômicas, que envolvem o poder que Amazon (e as demais big techs) adquiriram, é impossível não constatar o valor que a cultura corporativa tem para o sucesso de uma corporação. Não dá para crescer sem que haja um propósito coletivo e um guia que mostre como agir e decidir. E isso, Jeff Bezos soube fazer.

Por Victoria Pirolla e Ariane Abdallah